Desde que a banda desenhada deu origem a um indústria produtora que começou a aparecer material adaptado para outros meios. Nessas adaptações, surgiram muitos elementos estranhos à propriedade original, que acabaram por ter repercussões nas histórias de BD. A kryptonita, por exemplo, surgiu no
programa de rádio do Superhomem.
A banda desenhada parece surgir como
subordinada nesta relação. Como se o cinema, a televisão e a rádio
fossem sérios, e a BD não. Mas a verdade é que também
influenciou muitos outros personagens de ficção. Tanto que alguns
destes, por vezes, vêem as suas verdadeiras origens escondidas e são
considerados também eles heróis da BD. São personagens que viram
algumas das suas características mais importantes surgir neste meio.
Tentei descobrir quando surgiu a
primeira adaptação de outro meio à banda desenhada. Embora não
tenha certeza absoluta, quer-me parecer que é uma tira de jornal,
lançada em 1904, com o nome Queer Visitors from the Marvelous
Land of Oz. A adaptação deve ter sido relativamente fácil, uma
vez que L. Frank Baum lançou as histórias do mundo de Oz como
livros ilustrados. Aliás, enquanto Baum lançava a tira de jornal
com arte de Walt McDougall, o seu ilustrador em O Feiticeiro de
Oz, William Denslow, lançou, quase em paralelo, a sua própria
tira de jornal, chamada Scarecrow and the Tinman. Denslow
estava de relações cortadas com Baum desde 1902, pelo que o segundo
livro, O Maravilhoso Mundo de Oz, foi ilustrado por John R.
Neil, tal como todos os seguintes, mas Denslow manteve os direitos
autorais.
Seria preciso esperar mais 25 anos para
ver a BD influenciar com sucesso um personagem noutro meio. No dia 7
de Janeiro de 1929, duas tiras de jornal tiveram estreia simultânea,
Tarzan e
Buck Rogers. Tarzan viu a BD ser uma grande
influência a nível visual. Tinha sido o personagem principal do
livro
Tarzan dos Macacos, seralizado em 1912 na revista pulp
All-Story Magazine, antes de ser compilado em livro. A primeira adaptação cinematográfica chegou em
1918, mas, para os fãs modernos, a sua aparência nada teria de
familiar. Foi na tira de jornal, ilustrada inicialmente por Hal
Foster, que surgiu o visual mais conhecido, com cabelo curto, pele
bronzeada e trajes mínimos. Em 1929 ainda foi lançado um filme,
Tarzan the Tiger, com o actor Frank Merrill com a mesma
caracterização nas ilustrações dos romances. Mas, em 1932, Johnny
Weissmuller representou o papel de Tarzan já com a caracterização
idealizada por Foster. A popularidade dos filmes protagonizados pelo
atleta olímpico foi tanta que este visual ficou na mente popular
como a forma oficial de Tarzan até aos anos 80.
Buck Rogers, por seu lado, retira
vários elementos de história, principalmente de elenco, da
adaptação à banda desenhada. O personagem surgiu na história
“Armageddon 2419 AD”, escrita por Philip Francis Nowlan e
publicada em 1928 na revista pulp
Amazing Stories. Até o nome
Buck apareceu primeiro na tira de jornal, visto que na versão
literária o herói tinha o primeiro nome Anthony. Além dos inimigos
Han e da namorada Wilma Deering, quase tudo foi reinventado por
Nowlan e pelo artista Dick Calkins na banda desenhada. Entre estes detalhes incluiam-se membros do elenco, como o
cientista Dr. Huer, os vilões Killer Kane e Ardala, o pirata Black
Barney e o irmão de Wilma, o cadete Buddy Deering, que assumiu a posição típica de assistente juvenil. Nowlan apenas escreveu mais uma
história literária com Buck Rogers, “The Airlords of Han”, mas
os elementos criados na tira de jornal foram usados na série de TV
de 1950 e no filme e série de TV de 1979, esta tendo Gil Gerard no
papel principal. Não se pode ignorar que é
igualmente importante a influência directa de Buck Rogers na criação
da tira de jornal
Flash Gordon, pois muitos elementos podem ser
decalcados de uma para a outra.
Conan é outro personagem que deve o
seu sucesso actual à banda desenhada. Criado por Robert E. Howard na
história “The Phoenix in the Sword”, o bárbaro nascido da terra
fictícia pré-cataclísmica da Ciméria foi publicado em várias
histórias curtas na revista pulp
Weird Tales, entre 1932 e 1936,
até ao suicídio do seu autor. Várias histórias foram compiladas
nos anos seguintes pelo executor literário de Howard, o também escritor L. Sprague de Camp, a partir dos anos 50, quando o visual definitivo de Conan foi estabelecido
pelo artista de BD, Frank Frazetta, na capa da edição da Lancer
Books de
Conan the Usurper, e nas edições subsequentes. Mas embora esta série de livros
tenha sido um sucesso de vendas, Conan pode agradecer a sua
longevidade junto do público à banda desenhada publicada pela
Marvel. Roy Thomas lançou a revista
Conan the Barbarian, com
arte primeiro de Barry Windsor-Smith e depois de John Buscema, em
1970, à qual se seguiu a revista a preto e branco,
Savage Sword of Conan, para um público mais adulto. A Marvel continuou a publicar histórias do bárbaro até 2000,
e foi esta publicação contínua que levou à criação dos filmes
Conan, o Bárbaro e
Conan, o Destruidor, em 1982 e 1984,
respectivamente, ambos com o actor Arnold Schwarzenegger.
Apenas merece um aparte apontar que, durante estes 30 anos,
Conan teve a maior publicação contínua de BD de uma personagem
adaptada de outro meio, com uma excepção, a Disney, que quase faz
esquecer que o Rato Mickey, o Pato Donald e muitos outros surgiram no
cinema antes de passarem para a BD. O Tio Patinhas é o primeiro caso
de um personagem de sucesso na Disney que surgiu na banda desenhada.
Hora de avançar para os anos 80. Quando a
Hasbro necessitou de ressuscitar a linha de bonecos de acção G.I.
Joe, pediu ajuda à Marvel. A linha criada em 1982 viu G.I. Joe
deixar de ser um soldado para passar a ser uma força paramilitar.
Este conceito, tal como as personalidades e histórias pessoais de
todos os personagens, foi criado por Larry Hama e Archie Goodwin, e
desenvolvido na revista de banda desenhada, que foi publicada até
1994, com Hama como escritor. A Hasbro resolveu trabalhar com a Marvel novamente em 1984, em que
Jim Shooter, Denny O’Neil e Bob Budiansky fizeram o mesmo com os
Transformers. Ao contrário de G.I. Joe, que tinha uma linha mais
unificada, os editores da Marvel tiveram que criar personalidades
para juntar designs de linhas diferentes, na sua maioria da Micro
Change e da Diaclone, mas também alguns da Macross e Dorvack.
Elementos como o planeta Cybertron e a Matriz de Liderança dos
Autobots surgiram primeiro na BD antes de serem adaptados aos
desenhos animados e ao cinema.
Nestas circunstâncias, é inegável a importância da
banda desenhada em algumas das propriedades intelectuais mais famosas
do Século XX, que estão ainda todas no activo.