terça-feira, 1 de janeiro de 2013

A Palavra dos Outros: Uma breve história da identidade secreta – Parte II por Paulo Costa


A aguardada segunda, de seis partes "Breve história da identidade secreta" por Paulo Costa:

Uma breve história da identidade secreta – Parte II


Foi preciso esperar pelo século XX para o surgimento de um herói que usasse uma máscara para criar uma identidade pública que defendesse os ideais da justiça. Esse herói foi o Pimpinela Escarlate, criado em 1903 pela baronesa Emma Orczy na peça de teatro “The Scarlet Pimpernel”, passada para prosa dois anos depois. O Pimpinela Escarlate é Percy Blakeney, um baronete inglês que salva nobres franceses da guilhotina durante a época do Reino de Terror da Revolução Francesa. Na sua vida normal, Blakeney finge ser um dândi, interessado numa vida idílica, sem dificuldades nem objectivos. A sua fortuna e as suas habilidades são usadas, secretamente, na sua missão heróica.

Em 1919, Johnston McCauley usou corte e cola, aproveitando vários elementos de Blakeney numa história sua, como as origens nobres, a personalidade falsa e a missão heróica contra um estabelecimento corrupto. A história chamava-se “The Curse of Capistrano”, foi publicada no pulp “All-Story Weekly” e o nome do herói era Diego de la Vega, mais conhecido como Zorro. Estas influências culminaram na história “The Living Shadow”, que introduz o Sombra, publicada no pulp “Detective Story Magazine” em 1931 (com base na personagem que fazia os anúncios de uma radionovela de detectives). O Sombra tem várias identidades, uma das quais é um ricaço que frequenta os principais eventos sociais, Lamont Cranston. Em 1937, no programa de rádio, ganha também superpoderes místicos de origem oriental.

O Sombra tinha uma identidade secreta e uma aparência facilmente identificável, incluindo um chapéu de aba larga e um cachecol que cobria a sua face, mas mesmos com as suas habilidades hipnóticas, faltam alguns ingredientes. O mesmo se passava com o Dr. Oculto, herói criado por Jerry Siegel e Joe Shuster em 1935, publicado numa edição da revista “New Fun Comics” da editora National (actual DC Comics), mas era um detective com habilidades sobrenaturais (anteriores, aliás, aos poderes do Sombra), e também não tinha roupa colante nem máscara. Em 1936, o cartunista Lee Falk introduziu nas tiras de jornal da King Features o Fantasma, o primeiro herói vestido com roupa colante e uma máscara que lhe cobre a cabeça e os olhos mas deixa a boca destapada. O Fantasma é geralmente considerado o primeiro super-herói da banda desenhada, mas nunca teve superpoderes.

O surgimento do Superhomem em 1938 e do Batman em 1939 ajudaram a popularizar o conceito de heróis mascarados, com um alter ego que finge ser um idiota, mas que usa a sua identidade civil ao serviço da sua carreira como combatente do crime. O Superhomem tem poderes mas tem a cara a descoberto, enquanto o Batman é, como o Fantasma, um homem normal com treino especial, que se mascara. O Superhomem, em particular, tem na sua forma heróica a sua verdadeira identidade, enquanto o homem Clark Kent é um disfarce. Em breve, os super-heróis mascarados, com ou sem poderes, iriam multiplicar-se às centenas, com as várias editoras ansiosas por duplicar estes dois sucessos, e a própria National a tentar repetir os primeiros êxitos.

A solidez do conceito de dupla identidade começou a esboroar-se logo no princípio. O design de personagens incluía vários tipos de máscara, algumas delas pouco apropriadas para esconder uma identidade. A mascarilha, ou máscara de dominó, era popular, usada no design do Spirit, do Lanterna Verde e da maioria dos sidekicks em todas as editoras, desde Bucky a Robin, mas nunca poderia ser convincente. O chapéu do Flash e o capuz do Starman, que deixava a cara completamente destapada, eram também pouco eficazes a esconder identidades. Deste modo, não seria estranho se começassem a aparecer heróis sem identidade secreta.

Essas personagens apareceram na Timely, a editora que depois passou a chamar-se Marvel. A primeira revista da Timely, “Marvel Comics” n.º 1, publicada em 1939, tinha três heróis sem dupla identidade: o Príncipe Submarino, o Tocha Humana e o Anjo. Namor não precisava de dupla identidade, pois não era um americano com vida civil e vinha de outra sociedade onde fazia parte da família real, enquanto o Tocha Humana era um humano artificial, pois embora viesse a adoptar o nome Jim Hammond, a sua criação e primeira aparição pública eram bastante conhecidos. O Anjo era diferente. Um herói sem superpoderes, Thomas Holloway não usava máscara nem escondia a sua identidade, embora fosse mais conhecido pelo seu pseudónimo que pelo verdadeiro nome. Mas ele era a excepção e não a regra.

Com o final da Segunda Guerra Mundial, a popularidade dos super-heróis decaiu rapidamente. Surgidos no final dos anos 30, eram um produto da era da Lei Seca e das organizações criminosas lideradas por gângsteres. Em 1945, já se tinham passado 12 anos desde que a Lei Seca tinha sido repelida nos Estados Unidos, pelo que a sociedade que os gerou cada vez mais fazia parte de um passado distante. A vitória dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial também restituiu a confiança do público no Governo, acabando com a necessidade de vigilantes face à ineficácia policial das décadas anteriores. Finalmente, o início da Guerra Fria e a rivalidade com a União Soviética criaram um novo estado de paranóia num público que ficou com medo de agentes escondidos. Usar máscara era uma forma de esconder a verdade. Deste modo o super-herói não pôde sobreviver e os vários personagens desapareceram progressivamente até 1950. Apenas uma mão cheia sobreviveu, na DC Comics.

Texto: Paulo Costa

Estes artigos "Uma breve história da identidade secreta" são excelentes!
Obrigado ao Paulo Costa pela parte que me toca.





























Para lerem a primeira parte deste artigo cliquem no link:

Uma breve história da identidade secreta – Parte I

Fico à espera da 3ª parte!
:D
Aproveito para desejar a todos os leitores do Leituras de BD um excelente ano de 2013!
:)

Boas leituras

11 comentários:

  1. Texto continua a bom nível, Paulo em bela forma neste tipo de prosa. E desta vez a entrar já pelo mundo dos super heróis também.

    Bom ano para todos

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  2. Hugo Silva
    De muito bom nível!
    Estou a gostar imenso desta abordagem às identidades secretas.
    ;)

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  3. A primeira parte poderá ter sido demasiado exótica, mas eu achei necessária para a história que quero contar.

    A partir daqui, começa a entrar em campo mais familiar para os leitores de BD. A terceira parte vai lidar mais com personagens da Marvel e da DC.

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  4. Mas eu acho a primeira parte fenomenal e, como tu bem dizes, necessária. Isto lá por ser mais de BD não quer dizer que se possa perder a oportunidade de perceber a origem das coisas.

    Parabéns Paulo.

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  5. Paulo Costa
    A 1ª parte foi muito boa! Há que conhecer a génese, para entender o resto na sua total envolvência!
    ;)

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  6. Esses textos do Paulo Costa são muito bons!

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  7. Guy Santos
    Por vezes não é fácil articular um bom discurso escrito com o assunto e torná-lo interessante.
    Estes artigos do Paulo isso mesmo, bem escritos e interessantes!
    Quem gosta de BD/HQ não deveria passar por cima desta leitura que tem tanto a ver com a Banda Desenhada.
    ;)

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  8. Tenho gostado muito destes artigos principalmente por causa do resgate histórico feito pelo autor.

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  9. É sempre bom, depois de tantos anos a ler BD, continuar s ser surpreendido com esta informação. A qualidade da escrita tb é excelente.

    Muitos e muitos parabéns.

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  10. SAM
    Obrigado! Esse é um objectivo do Leituras de BD, surpreender leitores.
    :)

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  11. João Roberto
    Gosto que gostes!
    Este é um assunto interessante e está muito bem escrito.
    ;)

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