sexta-feira, 27 de março de 2015

Beterraba: A vida numa colher



Saiu ontem “Beterraba: A vida numa colher”, obra de Miguel Rocha datada de 2003, na altura publicada pela Polvo.
A Levoir decidiu recuperar este romance gráfico rural para a sua colecção “Novela Gráfica” que está a sair com o jornal Público.
Percebo a escolha, insere-se perfeitamente dentro da linha seguida para esta colecção, e é de saudar a inclusão de um livro de um autor português.

Para o meu gosto não é um livro particularmente apelativo, embora eu lhe reconheça qualidade. É mesmo uma questão de gosto pessoal, aliás, os romances gráficos têm destas coisas, muitas vezes são bastante estilizados sendo a forma a adaptar-se ao máximo ao seu conteúdo, e aí o grafismo tende a conhecer formas mais arrojadas de interpretação da mensagem que o autor pretende transmitir.

Neste livro de Miguel Rocha é efectivamente a paleta de cores o que eu mais gosto. As cores quentes alentejanas estão muito presentes, são o grande pano de fundo deste livro, e não obedecem a contornos.O contraponto desta palete quente é mostrado no interior da casa, sempre escuro, mesmo durante o dia.
Esta ausência de contorno permite uma difusão cromática muito bela, e ao mesmo tempo torna secundários os pormenores, como por exemplos as faces das personagens, em favor do todo. É claro que aqui e ali há pormenores mais trabalhados, e que por isso mesmo saltam logo à vista nas situações que o autor o desejaria (penso eu).

Este romance fala-nos de um sentimento de "querer" a roçar a teimosia, fala-nos de sonhos de grandeza e mostra-nos o isolamento e a solidão em que um homem cai ao se alhear do mundo à sua volta, e mesmo proibir qualquer trespasse à cerca que construiu em volta da sua vida.
Mas a natureza é perversa e não faz a vontade a Olegário… um dos seus sonhos maiores era ter um filho. Assim nasce uma filha, outra filha, outra filha… e outra, outra…

Tudo é difícil para Olegário. Decidiu transformar um terreno baldio numa terra agrícola de sucesso! Fez a sua casa com pedra e areia, com as suas mão e o seu suor, aumentando-a sempre que necessário. Por acaso é uma das situações mais bem conseguidas para mim neste livro: o “castelo” de Olegário. Penso que vai reflectindo a vida dele durante todo o livro.
Mas a terra é agreste com ele. Não lhe dá o que ele quer! A natureza coloca-lhe pragas que ele com a sua força de vontade imensa tenta ultrapassar. E o filho que nunca mais chegava…

É também curiosa forma como Miguel Rocha trabalha o isolamento. Olegário vai tendo filhas, mas estas estão completamente isoladas do exterior! Olegário não permite que ninguém lhes ponha a vista em cima, sovando os jovens que se atrevem a espreitar se necessário. Assim elas crescem de uma maneira curiosa, estranhas por vezes na atitude e maneira de encarar a vida.

É um conto surreal, alucinado mesmo, passado em meados do século passado, em pleno período “Salazarista”. Na edição de 2004 do Festival Internacional de BD da Amadora ganhou os prémios de Melhor Álbum Português e Melhor Desenho de Autor Português.
Saltei por cima da boa informação enviada pela Levoir, assim as imagens, porque essa mesma informação está presente em vários blogues da especialidade. Assim, as imagens neste post também serão diferentes.


Outros livros de realce de Miguel Rocha:
  • Salazar: Agora e na Hora da sua Morte
  • Hans: o Cavalo Inteligente

Como curiosidade, o cartaz para o Euro 2004 de futebol foi da sua autoria!
:)


Hardcover
Criado por Miguel Rocha
Editado em Março de 2015 pela Levoir

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Bongadas