domingo, 25 de agosto de 2013

Os Comics e os Anos 90: A Falência da Marvel [13]



Hoje vamos ter um pouco da história conturbada da Marvel durante a década de 90.
Paulo Costa explica o que aconteceu...

A falência da Marvel

Ronald Perelman
Photo by David Shenkbone
Em Dezembro de 1996, a imprensa especializada anunciou o impensável. A Marvel tinha entrado em processo de falência, numa tentativa de restruturar as suas actividades. Os fãs, como era habitual, culparam a qualidade de produto pelas más vendas, mas a verdade é que há muitos anos que a Marvel vinha a ser vítima de uma série de más decisões administrativas, e o prejuízo de 48,5 milhões de dólares no ano fiscal de 1995 nada tinha a ver com a qualidade do material nem com a abrupta queda de vendas que seguiu o rebentamento da bolha especulativa. Aliás, este prejuízo não chegaria para forçar um processo de falência. Tal aconteceu devido à dívida bancária de 536,5 milhões de dólares, e até foi a primeira vez que a Marvel não tinha dado lucro desde que tinha sido adquirida por Ronald Perelman. Quem?

Ronald Perelman não é um dos nomes mais associados à Marvel, nem seria conhecido da maior parte dos fãs antes do processo de falência. Perelman é um corporate raider, alguém que costuma comprar empresas com o propósito de as vender a médio prazo por um lucro elevado. O seu modus operandi consiste em inflacionar o valor das acções das empresas, por vezes muito além do seu real valor. Perelman comprou a Marvel à New World Entertainment em 1989, na altura por 82,5 milhões de dólares, e quando era mais conhecido por ser o accionista maioritário da gigante dos cosméticos Revlon. Como proprietário da Marvel, tentou criar um império dos media, adquirindo duas empresas de sports cards, a Fleer (que tinha os direitos da Major League Baseball) e a Skybox (que tinha os direitos da NFL e da NBA), a produtora de action figures ToyBiz, a Panini, a Welsh Publishing (ficando com os direitos das revistas da Barbie e das propriedades modernas da Disney), a rival Malibu Comics e, o último prego no caixão, a distribuidora de comics Heroes World.

Estas aquisições ocorreram na pior altura. A greve da MLB acabou de vez com o mercado de cards de basebol, enfraquecido pela enxurrada de edições de coleccionador, tal como a Marvel tinha feito com as capas variantes e com efeitos especiais, e os cards da NBA nunca foram um grande sucesso (a Skybox era mais conhecida pelos cards de propriedades de entretenimento, incluindo BD, seja como for). A ToyBiz ficou com um contrato para a produção de brinquedos ridiculamente prejudicial financeiramente para a Marvel. A Malibu foi comprada unicamente para a Marvel ficar com o departamento de colorização por computador.
























Falta aqui falar da Heroes World. Perelman não estava interessado em operar dentro da indústria de BD, e os seus esforços para aumentar lucros passaram pela saturação de mercado, criação de produtos “especiais” sem valor acrescentado real (capas variantes) e aumento rápido e desmesurado de preço (de $1,25 em 1992, passou para $1,99 em 1996, um aumento de 66% – desde então, custos relacionados com impressão e distribuição só aumentaram. O mercado em queda não tinha condições de receber todo este produto e, para responder aos retalhistas e distribuidores, Perelman adquiriu a Heroes World, um distribuidor de New Jersey, que não estava habituado a trabalhar à escala nacional. Assumindo a distribuição exclusiva da Marvel, passou a falhar frequentemente com os seus clientes. Como a Marvel representava entre 35 e 40% do mercado, e para alguns retalhistas podia chegar a 60 ou 80 por cento do volume de vendas, foi um factor importante para o encerramento de várias lojas, especialmente depois da quebra de mercado.
Avi Arad
Photo by Gage Skidmore

Carl Icahn, outro corporate raider, aproveitou a fragilidade da Marvel para assumir o controlo depois de ter adquirido uma quantidade considerável de junk bonds, que tinham as acções de Perelman como colateral. Icahn era conhecido no mundo financeiro pelo modo agressivo como tomou controlo da operadora aérea TWA, que desmembrou em várias operações para depois as vender. O banco Chase Manhattan forçou Perelman a sair e ordenou a fusão da Marvel Characters (que detinha as propriedades intelectuais) com a sua subsidiária ToyBiz, sob controlo de Icahn. No entanto, o plano de recuperação de Icahn não era muito diferente do de Perelman, e os fundadores da ToyBiz, Isaac Perlmutter e Avi Arad conseguiram convencer os bancos a dar-lhes o controlo da nova empresa. Perlmutter já tinha recuperado empresas em dívida como a antiga divisão de produtos de higiene da Remington e a Coleco, a partir da qual co-criou a ToyBiz. Arad era designer industrial e responsável pelo desenvolvimento de produto. Juntos, entendiam muito melhor a companhia que tinham acabado de comprar.

Perlmutter, que não gosta de ser fotografado (a única foto que existe é de 1985 e pertence à Forbes, por isso não a quero pôr aqui, para ninguém apanhar uma conta no correio) e tem uma reputação como extremamente forreta (diz-se que obriga todos os empregados a contabilizar os clips de papel gastos) foi a pessoa ideal para recuperar a Marvel, que passou a controlar em 1998. Juntamente com Arad, tinha contactos na indústria de cinema, instrumental para poder licenciar personagens a estúdios de cinema e produtores de videojogos. Um plano que colocou dinheiro suficiente na conta da Marvel para poder regressar aos lucros pouco mais de três anos depois da sua falência. Como descobriram que o verdadeiro lucro estava na imagem das personagens e no seu licenciamento, fecharam até a “sua” ToyBiz. Algumas concessões tiveram que ser feitas, como o licenciamento de publicações internacionais à antiga subsidiária Panini, bem como vários anos de contratos com a Fox e Sony para os filmes dos X-Men e Homem-Aranha.

Mas a recapitalização tornou a Marvel Enterprises mais viável do que alguma vez o tinha sido.
Dentro da BD, a Marvel sobreviveu, tal como o resto da indústria. O meio em si tinha-se tornado num gueto cultural pouco apelativo para estranhos. O fiasco da Heroes World contribuiu para o encerramento de mais de metade das lojas especializadas na América do Norte. A Marvel passou a representar entre 40 e 50 por cento da fatia do mercado, mas o número de leitores tinha diminuído francamente desde os anos áureos de 1992. Um livro intitulado “Comic Wars”, explicando todo o processo de falência e recuperação da Marvel, foi publicado em 2002, escrito por Dan Raviv, que estranhamente é mais conhecido como correspondente da CBS em Israel, tendo também sido enviado especial à Guerra do Golfo.

Texto: Paulo Costa


Podem ver todos os artigos do Paulo Costa no Leituras de BD clicando no nome dele, e podem também consultar todos os outros artigos desta rubrica nos links abaixo:
Os Comics e os Anos 90: Image Comics - Youngblood
Os Comics e os Anos 90: DC Comics - A Morte do Super-Homem
Os Comics e os Anos 90: DC Comics - A Queda do Morcego
Os Comics e os Anos 90: Crossovers entre várias Editoras 
Os Comics e os Anos 90: Dark Horse - Hellboy
Os Comics e os Anos 90: Marvel - Onslaught 
Os Comics e os Anos 90: DC Comics - Elseworlds: Golden Age
Os Comics e os Anos 90: Marvel - Heroes Reborn 
Os Comics e os Anos 90: Wizard Magazine
Os Comics e os Anos 90: Marvel - Os Monos da Marvel
Os Comics e os Anos 90: DC Comics - Hal Jordan: Ascensão, Queda e Redenção
Os Comics e os Anos 90: Alex Ross

8 comentários:

  1. Matéria excelente, Nuno. Me lembro de, na época, haver lido sobre isso e sobre as ações subsequentes, como a colocação de Bill Jemas na cadeira editorial (e este apelando para pseudo pornografia e violência extrema como forma de aumentar a força de vendas). Gostei muito de ler sobre isto. 8)

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  2. Realmente eram tempos confusos,mas a perda de rumo editorial nao ajudou nada.Não sabia que a Marve tinha sido dona da Panini,mas agora ja pode recomprar a subsidiaria.ela ou a Disney.

    ", e os seus esforços para aumentar lucros passaram pela saturação de mercado, criação de produtos “especiais” sem valor acrescentado real (capas variantes) e aumento rápido e desmesurado de preço (de $1,25 em 1992, passou para $1,99 em 1996, um aumento de 66% – desde então, custos relacionados com impressão e distribuição só aumentaram. "

    Brilhante genios,bds que só valiam pela capa especial e o que era bom conteudo nao havia.
    Mas agora já podem fazer isto;

    http://www.salvat.com/br/colecciones/marvel/home.shtml

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  3. Pensador Louco
    O autor do texto foi o Paulo Costa, eu fui só o veículo facilitador!
    :)
    Não sabia dessa situação do Bill Jemas com "pseudo-porno"!
    lol
    :D

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  4. Optimus
    Sim, foi o tempo das capas intermináveis...
    :D
    Mas transportando para os dias de hoje, a fórmula mágica das capas está a aparecer outra vez... histórias fraquitas, muitas capas, herói contra herói e mortes de heróis.
    Onde anda a aposta em boas histórias!? São poucos os títulos neste momento com histórias decentes.
    :|
    :|

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  5. Ora aqui está um excelente artigo Paulo! Lembro-me perfeitamente de ler essa noticia na imprensa mas nunca soube as verdadeiras razões. Fiquei mais culto ;D. Continuem com estes artigos dos anos 90 que são verdadeiras pérolas.

    Boas Leituras
    Ricardo

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  6. Nuno, o pseudo-porno era uma mini-série chamada "Trouble", escrita pelo Mark Millar, em que supostamente iam revelar as origens da Tia May como uma adolescente depravada. De facto, os parezinhos com hormonas aos saltos chamam-se Ben e May, e Richard e Mary, mas os últimos nomes nunca são revelados, e fora isto não há qualquer ligação ao Homem-Aranha. Apesar das típicas reclamações internéticas, a história foi esquecida rapidamente. "Trouble" foi publicada em 2003 e já não se enquadra no espírito da rubrica.

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  7. Optimus, o Ronald Perelman queria transformar a Marvel num império para rivalizar a Disney (oh irony!), mas ignorava completamente a realidade do mercado e não conseguia aceitar que a bolha especulativa não era comportamento normal. Ele culpou os retalhistas e distribuidores pela quebra de vendas e foi por isso que comprou a Heroes World.

    O Tom DeFalco ficou muito surpreendido quando, em 1989, após a transferência da New World para a Revlon, foi para uma reunião com as chefias, convencido que ia convencê-los a reduzir a quantidade para melhorar a qualidade, e saiu de lá espantado quando lhe disseram que iam publicar ainda mais revistas. Em 1992, saíram 1041 publicações dos escritórias da Marvel, uma média de 86,75 por mês.

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Bongadas