terça-feira, 11 de novembro de 2014

Máquina do Tempo: Shang-Chi Mestre do Kung Fu


Há aquelas sagas que lemos e recordamos com alguma saudade, aquelas histórias que lemos nas revistas da Editora Abril e que adorávamos que fossem republicadas num formato que lhes desse maior justiça, e as histórias do Shang-Chi Mestre do Kung Fu caem nessa categoria. Estreando a nova rubrica Máquina do Tempo, aproveito para então relembrar essa fase que tinha muita acção, espionagem e aventura à mistura.

Em 1972 a Marvel conseguiu os direitos da personagem Pulp Fu Manchu (de Sax Rohmer), e aproveitando tendo também o direito da série Kung Fu, decidiu juntar as duas num só título criando uma personagem titular e alguns secundários que tentaria assim capitalizar a febre que ainda existia pelas artes marciais, e também uma personagem carismática como Fu Manchu. Da série televisiva não foi adaptada nenhuma personagem, mas das histórias de Fu Manchu foi aproveitado também Sir Denis Nayland Smith. É também por causa destas duas personagens, que não pertencem à Marvel, que não temos direito a uma republicação decente das histórias de Shang-Chi, o que é uma pena em especial se pensarmos na fase de Doug Moench e Paul Gulacy.

Steve Englehart e Jim Starlin trataram de criar a personagem, que em 1974 a Marvel Comics lançou numa das suas revistas, que depois ao número 17 alterou o nome para destacar ainda mais o herói, ficando com o nome de Hands of Shang Chi: Master of Kung Fu e como a febre das artes marciais ainda estava em alta nos Estados Unidos, a revista foi um sucesso junto do público e durou até ao número 123, já no começo dos anos 80. Foi Doug Moench quem melhor percebeu a personagem e criou uma saga que cativou tudo e todos, especialmente quando Paul Gulacy estava encarregue da arte.

Moench teve ainda a companhia de Mike Zeck e Gene Day, e ainda hoje toda essa fase é considerada uma das melhores da Marvel dos anos 70. Pelo Brasil foi publicado numa revista própria pela editora Bloch e teve o seu período de ouro na editora Abril, onde teve direito a Almanaques próprios, Grandes Heróis Marvel mas nunca uma revista própria, aparecendo no mix de publicações como Superaventuras Marvel, Heróis da TV e Capitão América.


Shang-Chi nasceu na República Popular da China e como filho de Fu Manchu é treinado desde cedo para ser um mestre nas formas de luta, mas quando é mandado em missão para matar um inimigo do seu pai, encontra o nêmesis de Fu Manchu, o Britânico Sir Denis Nayland Smith que mostra ao jovem que seu pai é um dos piores vilões da humanidade. Aliando-se a Black Jack Tarr, começa então a sua aliança com o Ocidente e combatendo as forças que servem o grande mestre do mal.

Como parte dos Serviços Secretos Britânicos, ele enfrenta e conhece outros heróis como o Homem-Coisa ou o Homem-Aranha, mas raramente o vimos fora do universo que não aquele que Moench iria idealizar para ele. Um mundo de espionagem e contra espionagem, onde seus aliados seriam Leiko Wu (que viria a se tornar o amor da sua vida) e Clive Reston, o filho do maior espião Britânico que tentava criar a sua própria fama e sair da sombra do seu pai. Moench trata de atribuir personalidades fortes a cada um deles, e uma história por detrás de cada uma destas personagens que as tornava bastante interessantes.

Podemos comparar a saga de Shang-Chi à típica luta entre o criador e a sua criação, e como esta quer ter uma vida própria e longe do seu criador. Em toda a saga podemos ver a evolução do homem, de como este vai resolvendo a sua vida e ganhando uma personalidade própria com cada aventura vivida e lição aprendida. Analisando tudo percebemos como conforme Shang-Chi cresce, Fu Manchu vai perdendo influência, passando de um megalómano conquistador que queria dominar o mundo, depois um vilão sem força que queria conquistar via o engano e a mentira e por fim um pobre desesperado que queria iludir e escapar à morte que via cada vez mais próxima.

As personagens secundárias também vão crescendo e ganhando um caminho próprio, algumas ajudam até o próprio herói a tomar um rumo com as coisas que aprende com eles, primeiro com Leiko que é uma mulher Chinesa completamente adaptada à vida no Ocidente, e depois com Shen Kuei, um homem completamente fiel às suas origens orientais. O confronto com este ganha uma maior dimensão por isso mesmo, ele é o oposto do herói, alguém que vive com muita raiva mas que em matéria de conhecimento de artes marciais iguala taco a taco com Shang-Chi.




Sempre que líamos uma história de Shang-chi, sabíamos que a acção não parava nestas páginas, tão depressa estava a enfrentar um magnata que queria controlar o mundo, como um lunático numa ilha cheia de armadilhas ou ainda um traficante ou espião que atrapalhava a procura da base de operações do seu pai e a arte de Gulacy tratava de dar outro ênfase a isto tudo.Como fã de cinema que era, Paul Gulacy dava um certo cunho cinematográfico às suas páginas, desde as páginas duplas que pareciam posters do James Bond, como o basear-se em grandes actores e actrizes para algumas das personagens que apareciam.

O seu estilo dinâmico e rico em detalhes ajudava ao tipo de escrita de Moench, e a sua arte sabia brincar com as situações e dar uma especial atenção às cenas de luta que nos prendia à história do começo ao fim. Gulacy brincava com os painéis, fazia a acção fluir de um para o outro e isso teve o seu melhor momento na grande luta com Shen Kuei, o Gato.

Foi esta fase que me fez apaixonar pela personagem, que me fez querer seguir a sua saga até ao fim e de me interessar por tudo aquilo que o rodeava. Nesta aventura brincava-se como Shang-Chi se tinha entregue ao estilo de vida do Ocidente e assim tornado-se alguém mais mole e fácil de derrotar por um mestre de luta que continuava fiel ao Oriente, o Gato. Aí também percebemos que por vezes Sir Daniel também usava o seu protegido, enganando-o das suas verdadeiras intenções e usando-o como peão noutras das suas lutas.



Era aquele aspecto de espionagem e contra espionagem que deixava o público interessado e dava uma profundidade a todo o background da personagem, afastando-a de ser um simples lutador de artes marciais. apesar de durante algum tempo ser sempre dessa forma que este herói era apresentado. Algo normal, era afinal parte do seu apelo e assim agradava a dois tipos de público diferentes, aparecendo durante muito tempo em publicações da Marvel relacionadas com Kung Fu, ao lado de personagens como Tigre Branco ou Punho de Ferro.

O artista Gene Day continuou a saga de Shang Chi e apesar de morrer ainda novo, concluiu o arco que fazia nosso herói encontrar seu pai e Moench acabou logo de seguida toda esta saga, homenageando assim este seu colaborador. Assim como o seu pai, Dan Day, Gene dava uma especial atenção ao detalhe e ao cenário que rodeava tudo, nos seus painéis ninguém estava parado, tudo estava a fazer algo e percebíamos a riqueza das paisagens onde tudo se desenrolava.

Logicamente que devo também falar de outro parceiro de Moench, o artista Mike Zeck, que empregou um aspecto mais realista às histórias, dando um ar mais oriental e quase "Bruce Lee" ao seu Shang-Chi. Muitos adoraram essa forma de o retratar, enquanto outros continuam fiéis à representação de Gulacy, mas acho que a riqueza de Shang-Chi reside no facto de ambas as artes casarem na perfeição com os arcos de histórias de Moench.

O sucesso também caía na maneira como este argumentista adaptava os arcos a uma personagem específica e que também ajudavam ao artista em questão. Foram basicamente seis arcos, cada um com um objectivo e todos com a intenção de culminarem num final onde tudo se resolveria no confronto entre pai e filho. Eis a descrição de cada arco e da personagem que narrava o mesmo:

Shang Chi: "The Death Seed"
Clive Reston: "The Spider Spell"
Leiko Wu: "Phantom Sand"
Black Jack Tarr: "City on the Top of the World"
Sir Denis Nayland Smith: "The Affair of the Agent Who Died"
Fu Manchu: "The Dreamslayer"


Um herói perito em artes marciais, utilizando ocasionalmente armas relacionadas com este meio (como nunchucks), manteve-se longe dos outros heróis Marvel (apesar do encontro ocasional) e só muitos anos mais tarde é que foi usado de forma regular no universo normal da companhia.

Como já disse, é uma pena não podermos ler mais esta saga, há muito que não é reimpressa e com as complicações entre a Marvel e os herdeiros de Sax, a coisa não parece prometedora. Todos que conseguirem ler estas histórias, devem-no fazer pela importância delas na história da editora e pela qualidade das mesmas.

Continua a ser uma das minhas fases preferidas da Marvel, e espero ansioso que um dia haja alguma republicação. Espero que tenham gostado destas recordações e podem sempre visitar o meu Blog Ainda sou do Tempo caso gostem de recordar outras coisas do passado.


































8 comentários:

  1. gostei do texto, só um adendo: na verdade, a Marvel não teve os direitos de Kung Fu, ela tentou negociar, mas descobriu que pertencia a Warner (que já era dona da DC), fiz um texto sobre o assunto e postei o link de uma uma entrevista do Jim Starlin explicando o ocorrido:http://quadripop.blogspot.com/2014/07/bruceploitation-nos-quadrinhos.html

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  2. São histórias da minha infância e da compra religiosa das revistas SAM.

    Mesmo agora estou impressionado com o Gulacy, destoava da arte habitual das revistas, assim de repente lembro-me de uma história do Batman ambientada na Rússia com arte deste.

    Acredito que muito da poética imprimida nas histórias de Chang Chi resultou devido a esta arte.

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  3. É verdade Pedro, ele contribuiu muito para a boa lembrança desta fase

    Quiof obrigado pela adenda

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  4. Eu só apanhei o fim da saga em Capitao America.

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  5. Paul Gulacy não economizava no nankin. Um dos meus desenhistas preferidos.

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Bongadas