segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Super-heróis à francesa I: Mais hardcore que os americanos

Desde que foram criados nos anos 30, os super-heróis são um símbolo da banda desenhada americana. Para alguns puristas mais retrógrados e regionalistas, são a prova da inferioridade intelectual da banda desenhada americana face à europeia, uma temática infantil sem possibilidades de exploração. Mas se há uma coisa que a banda desenhada francesa sempre teve é amplitude de temáticas, e dentro destas também há espaço para os super-heróis, que geralmente eram editados em revistas a preto e branco de dimensões em redor dos 13x18 cm, chamadas petits formats.

Um dos mais antigos super-heróis franceses, e um dos maiores sucessos da sua época, foi Fantax. Criado em 1946 pelo editor Pierre Mouchot, Fantax era inspirado visualmente no Hourman da DC Comics, com um uniforme preto e vermelho, com um F vermelho bordado na camisa, e possuía inteligência, força e agilidade sobre-humanas. O seu alter-ego era Horace Neighbour, um aristocrata inglês que trabalhava como diplomata nos Estados Unidos. As suas primeiras histórias, publicadas no jornal semanal Paris-Monde Illustré, foram escritas por Marcel Navarro, usando o pseudónimo anglófono J.K. Melwyn-Nash, com arte do próprio Pierre Mouchot, que assinava com o nome Chott. As histórias tentavam evocar deliberadamente um estilo mais americano que francês, e eram bastante inspiradas em pulps americanos com algum nível de sordidez.

Mouchot deu a Fantax a sua própria revista em petit format, em 1946, tendo sido publicadas 39 edições até 1949, na sua maioria escritas por Melwyn-Nash e desenhadas por Chott, mas também passaram pelo título Robert Rocca como artista e o próprio Chott como escritor. A revista foi cancelada pela lei francesa publicada em 16 de Julho de 1949, que obrigava a BD a ser submetida a um painel censor para aprovação, e que atacava directamente os petits formats a preto e branco e as importações americanas, com as suas temáticas centradas em ficção científica e combate ao crime. Mesmo assim, Fantax regressou no mesmo ano numa novela ilustrada, escrita por J.F. Ronald-Wills, pseudónimo de André Compère, escritor de livros policiais e de ficção científica mais conhecido como Max-André Dezergues.

Em 1951, Chott voltou à carga com o artista Rémy Bordelet, com uma série contínua na revista Reportages Sensationelles, material que foi republicado numa nova série de nove números editada em 1959. Pelo caminho, Pierre Mouchot tentou aproveitar o conceito numa forma mais ligeira, intitulada Black-Boy, que afirmava ser Horace Neighbour Jr., filho de Fantax, sem máscara, com moto, e com menos tortura e corpos estropiados. Foram publicadas várias histórias nas revistas Rancho, Special Rancho e Fantasia, entre 1957 e 1961, e com autoria de Chott, Bordelet e Francis Péguet. Em 1961, Pierre Mouchot foi forçado a fechar a sua editora, a S.E.R., e, debilitado pelos confrontos legais com a censura, morreu cinco anos mais tarde. A primeira série de Fantax foi editada em quatro Intégrales entre 2010 e 2013.

Um dos heróis preferidos dos completistas, mas esquecido do público geral, é Satanax. Um alquimista deu ao anónimo escrivão Arsène Satard poderes que são activados em contacto com o fogo, incluindo força extrema, invulnerabilidade e levitação. Satanax foi criado em 1948 pelo escritor Jean d'Alvignac e pelo artista Auguste Liquois, e teve direito a 16 histórias publicadas em revista própria até 1949, pela Éditions Mondiales. Com um nome algo ambíguo, Satanax apenas foi reeditado em 1977 em três volumes.

Um contemporâneo de Fantax e de Satanax era Tom X, mais um herói com a letra X. Tom X foi criado por Robert Bagage, mais conhecido pelo seu pseudónimo, Robba, que escreveu e desenhou as suas aventuras, com ajuda de Louis Auger. Tom X não tinha poderes, mas era um daqueles Da Vinci modernos tornados famosos pelos pulps e pelos penny dreadfuls, neste caso um aviador, explorador e cientista. Robba editou 24 histórias de Tom X em revista própria, pela sua própria editora, a Éditions du Siècle, de 1946 a 1947. Estas histórias nunca foram republicadas.

Robba teve mais sucesso com Super Boy, que nada tem a ver com o Superhomem. Super Boy, em duas palavras, começou por ser uma simples revista em petit format, lançada em 1949, mas em 1958 finalmente lançou uma personagem com este nome. Este Super Boy era filho de um cientista e não tinha poderes próprios, mas o seu cinto permitia-lhe voar e a o capacete com viseira transparente tinha um rádio embutido. O seu uniforme era vermelho e amarelo, com as letras SB na camisa. Super Boy foi publicado regularmente até 1970, primeiro com argumento de Schwarz, aparentemente um pseudónimo da mulher de Robba, e arte de Félix Molinari. Molinari continou a trabalhar até 1970, a partir daí dando lugar a uma série de artistas espanhóis, incluindo o consagrado José Ortíz, continuando a chegar às bancas até 1986, altura em que os petits formats estavam em rápido declínio.

Mais relacionado com ficção científica, Fulguros começou com um uniforme com capa e máscara, mas rapidamente abandonou este visual para se tornar um cientista aventureiro, com uma série de inimigos. Fulguros foi publicado em 12 partes na revista Andax em 1946, e reimpresso um ano depois na revista Pic-Nic. O seu criador, o artista René Brantonne, contava com a ajuda do escritor de ficção científica, Robert Colliard, mais conhecido como R. Lortac, para escrever os argumentos, mas a falta de tempo, por ser ilustrador de livros de ficção científica, só lhe permitiu regressar a Fulguros em 1954, na revista feminina Sylvie, onde teve pouco sucesso numa aventura em seis partes. Mais três histórias foram publicadas em 1959 na revista Audax, e as histórias foram reimpressas em 1967 na revista Meteor.

Mister X não tinha superpoderes, mas tinha um uniforme colante vermelho, distinguindo-se facilmente pelo seu cachimbo. A lista dos seus vilões contava com algumas personagens comunistas ou com fisionomia asiática, ao estilo yellow peril, tornado popular por Fu Manchu. Mister X foi criado por André Roger e André Bohan, e foi publicado na sua própria revista, editada pela Elan, com 22 números entre 1949 e 1951. Uma segunda série de 10 números foi publicada em 1951. Este material permanece esquecido.

Finalmente, Jacques Flash também não tinha superpoderes, com excepção de um soro de invisibilidade. Jacques Flash era um jornalista que recebeu este soro do professor Folven. Apesar de ter surgido mais tarde que quase todos os heróis apresentados até agora, era mais tradicional, até porque foi publicado na revista Vaillant, e na sua sucessora, a Pif. Foi criado pelo escritor Jean Ollivier e pelo artista Pierre Le Guen, com três histórias publicadas entre 1957 e em 1959. Voltou para uma série de histórias mais frequentes, que foram publicadas de 1960 a 1973. Ollivier (conhecido por ter trabalhado com o artista português Eduardo Teixeira Coelho em Ragnar Le Viking) escreveu três histórias de Jacques Flash, desenhadas por Gerald Forton, mas depois, por estar ocupado como editor da revista, deixou o lugar ao escritor Pierre Castex. René Deynis e Max Lenvers desenharam a maior parte das histórias, que contabilizam um total de 54. Foi reeditado em seis volumes em 1977.

A temática dos super-heróis à francesa vai regressar ocasionalmente. A próxima edição vai dedicar-se em exclusivo ao universo da Éditions Lug.

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