sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Como Viaja a Água



O que o envelhecimento tem de pior não é a doença.
O pior é a indiferença.
Um belo dia dás-te conta que a realidade venceu o jogo.
Um jogo que nem sabias que estavas a jogar.
E tu ficas impassível como uma árvore que o Outono abandona despida no meio do bosque.
Mas como as boas árvores, vivemos alheados desta ironia.

 - Por Aniceto in "Como Viaja a Água"

A editora Arte de Autor lançou este mês o seu 3º livro. Depois de "Caravaggio: O Pincel e a Espada" de Milo Manara (apresentado por mim no Museu Lisboa - Palácio Pimenta) e "Eu, Assassino" de António Altarriba e Keko, eis "Como Viaja a Água" de Juan Díaz Canales.
Só me resta já de início frisar o bom gosto que esta nova editora possui. As poucas obras publicadas reflectem-no.

Juan Díaz Caneles é conhecido mundialmente por ser o argumentista da série , com Juanjo Guarnido no desenho, é também argumentista de Fraternity com Munuera, Corto Maltese (nova série) com Pellejero e Les Patriciens com Gabor.

Ganhou prémios. Muitos prémios!

  • 2000: Prémio Melhor Primeiro Álbum Lys-lez-Lannoy (festival)
  • 2000: Prémio Especial em Rœulx (festival)
  • 2000: Prémio Némo em Maisons-Laffitte (festival)
  • 2000: Prémio Descoberta em Sierre International Comics Festival
  • 2001: Best Artwork Award no Festival de Chambéry
  • 2002: Best Artwork Award no Grand Prix Albert Uderzo
  • 2003: Prémio Especial do Júri no Sierre International Comics Festival
  • 2004: Angoulême Audience Award, para Arctic-Nation
  • 2004: Angoulême Best Artwork Award, para Arctic-Nation
  • 2004: Prémio Virgin para o Melhor Álbum, com Arctic-Nation
  • 2006: Angoulême Best Series Award, para a série Blacksad
  • 2006: Bédéis Causa - Prémio Maurice Petitdier para o Best Foreign Comic no Festival da BD Francophone de Québec com Blacksad
  • 2014: Premio Nacional del Cómic (Espanha)

Neste livro, Como Viaja a Água, Canales estreia-se como autor completo assumindo o argumento e o desenho.
Fazendo um pequeno aparte... tenho de notar que em três livros de três espanhóis publicados em português nos últimos três anos, existe um tema redundante trabalhado com mestria: a chamada 3ª idade. Tenho de concluir que os espanhóis se andam a preocupar com o problema do envelhecimento ou o ocaso da vida. Ainda por cima três excelentes livros: Rugas de Paco Roca, A Arte de Voar de António Altarriba e este Como Viaja a Água de Canales...

Como Viaja a Água  tem o seu quinhão social, a sua parte criminal e uma fatia enorme do que é o sentido da vida. Qual é o sentido da vida para uma pessoa, ou para um grupo de amigos que sobreviveram a uma guerra sangrenta na sua juventude, que viveram vidas cheias de acontecimentos?

Um grupo que guarda um segredo... e esse segredo é mesmo sobre o final da vida. São um grupo de ateus, comunistas e octogenários, não têm muito com que encher as suas vidas, então dedicam-se ao contrabando para lhes dar um pequeno rush nesta fase da vida e poderem com os dividendos da actividade ilícita jogar entre eles um pouco de póquer. Mas começam os crimes... o grupo cada vez é mais pequeno devido aos assassinatos!

Um retrato muito cru sobre uma época actual de crise social e bancária, contado pungentemente pela caneta e pelo pincel de Juan Díaz Canales.
Uma metáfora que é contada através da água, e de como se pode perder a razão e a vontade de viver por falta esperança no nosso legado apenas por pensar na vida num dia em que se estava a fazer a barba e olhar para o espelho.

O segredo deles já o conheço há bastante tempo (sou ateu), e o meu segredo está em aceitar todos os minutos de vida até ao final, até ao último minuto, e não pensar na "viagem da água", ou o que essa metáfora implica nesta maravilhosa histórias de Canales. Este último parágrafo já é divagação minha... já sou eu a pensar no sentido da vida ao chegar à minha velhice...

Penso que é um livro que se dá a bastantes interpretações, conforme a disposição para vida de cada leitor, ou das suas convicções sobre a vida (ou não) depois da morte. O tempo que demoramos a desaparecer, maior ou menor, depende daquilo que fizemos em vida. Vivemos pelo legado e pela memória. Podemos "viver"poucos anos depois da morte, ou podemos viver séculos. Depende da nossa "vida" como protagonistas activos e principais. A nossa "vida" pós-morte não é um grande "nada".

Por vezes um livro que se apresenta simples, de contornos sociais e criminais, pode apresentar-se bastante complexo. Foi o que me aconteceu. E nem sequer sei se estou a analisar bem todo o conceito apresentado pelo escritor. Estou a fazer a "minha leitura"

Comprem e façam a vossa leitura. O LBD recomenda este livro.

Tenho estado um pouco fora do circuito da BD, por decisão própria, e agora que tenho voltado aos poucos vejo que está tudo na mesma relativamente a críticas de BD... a única coisa que se vê são centenas de divulgações de livros ou revistas de BD a sair, ou críticas incapazes de dar uma opinião sincera. Eu estava a cair na mesma armadilha, quase não fazendo crítica ou artigos sobre BD, e essa foi apenas uma de algumas coisas que me fizeram "passar férias" do blogue, não da BD porque tenho continuado a ler e a comprar.

Irei fazer divulgação de livros a sair sim, mas não exaustivamente. Quero fazer aquilo que mais falta faz neste momento à BD: artigos e opiniões. Deixo a divulgação exaustiva a quem a já faz, não vou dar aos leitores do LBD "mais do mesmo" que já saiu num monte de blogues e sites.
:)




Boas leituras







Sem comentários:

Enviar um comentário

Bongadas