segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Maus



Apresento-vos o novo contribuidor do LBD: o Ricardo Rosado.
O seu primeiro artigo é sobre a obra-prima de Art Spiegelman, Maus!


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Maus


Terá sido por volta da mudança de milénio que li pela primeira vez a obra (Maus : a história de um sobrevivente, Art Spiegelman). Maus em Português tem um significado quase que irónico. Em alemão significa rato. Quanto ao livro; o livro, pertença do meu irmão mais velho, em formato chegado ao A5, era uma terceira edição da agora extinta editora, a Difel. Andava eu então na casa dos meus vinte «anos», ele «o meu irmão» era a minha grande referência cultural, referência para o meu gosto artístico, até porque, felizmente, assim o ditava.

A verdade é que a minha intenção nem era esta. Falar da obra, Maus. Quando me propus escrever sobre BD, primeiro pensei: não sou um crítico, mas gosto de trabalhar a minha experiência, aquilo que li, ou o que fiz; depois, conhecendo o blog leituras de BD como conheço «como é que posso contribuir?», quando «tudo acerca do que queria escrever já está escrito»; finalmente, pensei «e o Persepolis da Marjane Satrapi?», daí a descobrir que nem tudo já foi dito... que ao blog, lhe faltava falar acerca do Maus «foi um pequeno salto».

O desenho de capa é o de dois ratos (uma mulher e um homem) agachados, em posição de defesa, encimados por uma suástica que contém um gato. Se, quando estive na Alemanha durante um ano na sequência do meu curso superior, tivesse levado comigo o livro... teria que o esconder. A segunda guerra mundial «não é coisa do passado», em Hamburgo contava-se a história - não era incomum encerrarem uma feira, ou outro qualquer evento semelhante, pelo simples facto de algo se vender e ter o aspecto, nem que vago, do símbolo nazi.

Afinal, o que mais nos chama a atenção, é a forma como o autor distribui um aspecto animal às personagens (os judeus são ratos, os nazis gatos, e os polacos porcos). Fazendo jus à tradição cartoon americana, o próprio autor, Art Spiegelman, utiliza Walt Disney como referência. Em determinadas situações, eu próprio consigo imaginar o Little Nemo, de Winsor McCay, a levantar-se, prancha a prancha, ou capítulo a capítulo, para o horror que foi o holocausto. Os limites entre a realidade e a imaginação são, deveras, inadequados para se descrever o trabalho do artista, aqui, em Maus, pois o seu significado esbate-se na controvérsia: jornalismo; família, vida pessoal.

Depois, sendo este um trabalho em que o próprio autor se relata incapaz de entender «o seu próprio pai», numa história em que se desenha a vida dele «do pai», mais se entende que seja incapaz de realizar o horror que é, ou foi, Auschwitz e o predicado judeu. Mais ainda, e numa nota que consegue ser ainda mais intimista, desenha o suicídio da sua mãe, assim como toda a dor e incompreensão que daí advém, de modo mestre. Assim, resulta uma obra que prima pelo seu carácter pungente. Um trabalho que deve, ou pode, estar no topo da necessidade de enriquecimento de um escritor: seja argumentista; ilustrador; artista, de qualquer idade ou feitio. Aqui, a história transcende a imaginação.
A ler.


Nota (Nuno Amado): A capa apresentada é a minha e não a que o Ricardo fala no texto, que é capa portuguesa. As páginas também são da minha publicação (Complete Maus) por isso estão em inglês.

2 comentários:

  1. Só li este ano que passou via Bertrand.Mas é muito bom.

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  2. É mesmo muito bom Optimus Primal. Não deixa de ser actual ter lido pela primeira vez este ano, ou há anos atrás.

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Bongadas