Resposta à pergunta do título: Sim e Não
Um amigo fez-me esta pergunta e a minha resposta foi mesmo essa, sim e não.
Vou tentar desenvolver um pouco sobre este assunto, e sobre os motivos porque deixei o mainstream de comics de super-heróis e porque cada vez mais entro pelo mundo do Manga
Primeira premissa, para mim é tudo BD chamem-lhe os nomes que quiserem, comics, manga, bande dessinée, tebeos, fumetti, aquilo que quiserem. Para mim é BD.
E a BD eu divido em vários grupos: excelente, boa, interessante, méh, mauzito e "a evitar". Dentro destes grupos tem BD oriunda de todos os locais do mundo.
Dentro da BD norte-americana, comics, existe um género que eu sempre adorei: super-heróis
Quem não gosta de uma boa história heróica, em que seres com poderes que todos nós em sonhos gostaríamos de ter, têm de lutar contra antagonistas terríveis, têm vida dupla, têm problemas na sua vida "normal", que se superam perante a adversidade, com a sua inteligência e a sua força, e não só a adversidade de terem de lutar contra um antagonista formidável, como também lutar com as adversidades que a vida social, familiar ou laboral lhes colocam. Isso é a massa de que é feito um verdadeiro Herói.
Têm história, têm um passado e o leitor sabe o que os levou a ser aquilo que são no presente, em que está a ler na história que tem na mão.
Nos últimos 10 anos, com algumas excepções caminhou-se para um caminho fácil caça-níqueis, em que os arcos de história são desenhados e por vezes escritos por várias pessoas. Para eu conseguir seguir uma história tenho de comprar vários números de títulos diferentes. Ex. inventado como explicação: para eu conseguir ler a saga Avengers vs. Asteróide of the Big Donut, eu tenho de comprar os números do título Avengers, certo? Não. Eu tenho de comprar os Avengers, o #37 do Hawkeye, o #232 do Hulk, o #17 e o #25 do Spider-Man. Depois disto tudo tenho de comprar a mini-série Avengers vs. Asteróide of the Big Donut. Dentro disto tudo sou capaz de ter boa arte, péssima arte, escrita aborrecida, boa escrita e parvoíces do Arco da Velha. Ou seja, é complicado...
E a complicação torna-se ainda maior porque existe uma coisa chamada "cronologia". Estes heróis têm décadas de história, contada por vários escritores que em alturas foi para um lado, vindo outros escritores que a levam para o outro, criando um emaranhado brutal, cuja solução é o célebre reboot! Só que nos últimos anos os reboots têm sido sucessivos nas duas editoras principais de super-heróis: a Marvel e a DC.
Um outro problema que afecta os fãs é a modificação da personagem, tanto ao nível da personalidade como no aspecto físico. Não estou aqui a fazer mimimi. Personagens com décadas de história foram criando muitos fãs ao longo do tempo, se a sua personagem favorita é modificada, perdem o fã. Isto é elementar. Agora fazer isto com o objectivo de ir buscar leitores a outras camadas de possíveis compradores, tudo bem, eu aceito. Mas deveriam no mínimo ter feito um estudo de viabilidade. Acho que não foram feitos. Mas a editora não é minha, nem tenho lá acções, portanto para mim é batatas.
Da minha parte foi muito simples, sim, deixei de comprar comics de super-heróis da actualidade, com excepções para dois ou três títulos que eu acho bons, e de que eu continuo fã - Green Lantern, Green Lantern: Earth One, Batman: Earth One, Wonder Woman: Earth One e Superman: Earth One. Todos os títulos Earth One são muito frescos e bons ;)
Penso que a solução para os problemas postos pela sociedade actual (estou a falar de inclusão e diversidade) estiveram sempre à frente dos olhos dos editores, mas preferiram ir pelo mais fácil, e está a ser aquilo que se vê. Vendas abaixo de fracas. Penso que apenas Batman e revistas associadas estão a vender minimamente.
Digo que esteve/está à frente dos olhos porque o caminho era simples: construção de novos heróis com boas bases, uma história e um passado com a qual o público pode ter empatia e em que a sua luta fosse com o eterno Mal, e não andarem apenas em manifestações políticas ou sociais. Temos dois exemplos muito bons de sucesso: Batwoman, homossexual, e Ms. Marvel - não confundir com a Carol Danvers, esta é uma adolescente muçulmana paquistanesa, a Kamala.
Porque tiveram sucesso? História bem construída, com imaginação, um background minimamente sólido que dá tridimensionalidade às personagens, escritas e desenhadas pelas mesmas pessoas. Quando a Batwoman passou a ser escrita e desenhada por outros e noutros termos, foi cancelada quase logo a seguir. Aprenderam? Não.
Cada editora faz aquilo que lhe apetece com o seu património, posso ficar infeliz por deixar de seguir este ou aquele título, mas a vida continua e cada leitor opta por aquilo que gosta mais. Não vou andar a erguer bandeiras contra aquilo ou aquele. Simplesmente o dinheiro é meu e eu gasto onde gosto.
De notar que eu não deixei de comprar BD norte-americana, deixei de comprar super-heróis, porque os comics são muito mais do que jeitosos de uniforme fixe a voar por aí, há todo um mundo de BD americana brutal de bom. E dessas obras eu compro quando posso.
Relativamente ao Manga, o que posso dizer... existe bom, mau, horrível, excelente e por aí! Mas tem coisas que fazem com que eu tenha feito o meu dinheiro divergir dos super-heróis para o Manga?
Tem. Muitas. O preço, a oferta, a ausência de censura, mas a principal é a consistência artística e narrativa.
O preço é imbatível, não tem comparação. A oferta é vasta (inclusão e diversidade sociais incluídas aqui). Temos Mangas para todos, mas todos os gostos mesmo, e todos eles separados para esses mesmo gostos. Temos Mangas de cozinha, de pesca, de basquete, de terror, recortes do quotidiano, para adolescentes rapazes, para adolescentes raparigas, para adultos, para homossexuais, de caça, fantasia, pornográfico, enfim, é tudo um mundo para ser descoberto.
Falando do principal, a consistência. Vamos colocar aqui uma manga famoso como exemplo, Naruto.
Foram 15 anos de publicação e 72 volumes de 200 páginas. O autor foi apenas um durante estes 15 anos, Masashi Kishimoto desenhou e escreveu toda a saga de Naruto. É certo que para muitas páginas e para adiantar trabalho houve mais desenhadores do seu estúdio que intervieram, a diferença é que têm que desenhar exactamente como o seu Mestre, portanto a arte não tem mudanças, excepto aquelas que são óbvias, ou seja, um artista vai evoluindo ao longo do anos. A arte dos primeiros volumes (1999) não tem nada a ver com os últimos (2014), mas como é óbvio essa evolução é gradual ao longo dos 72 volumes, e é uma evolução e não uma mudança.
Quem inicia a leitura de Naruto sabe que: Não vai mudar o desenhador, não vai mudar o estilo, não vai mudar o tipo de narrativa, não vai haver reboot, não vai precisar de comprar outros livros daquela editora para ter a continuidade da história, o Naruto não vai mudar de identidade (vai crescer, mas não mudar), não vai mudar de cor e não vai mudar de género.
A isto eu chamo "consistência".
E descobri obras de uma qualidade brutal, tipo nas 10 melhores obras de BD de sempre eu coloco facilmente três ou quatro Mangas. Outras obras são perfeitos guilty pleasures, outras viciantes ao extremo, outras muito perturbantes....
"- Áh! Eu não gosto de Manga!" Isso é só parvo de dizer por alguém que garantidamente desconhece a BD de um dos países que mais a produz. Eu já fui assim, e evoluí. Em 2007 comprei e li os 3 volumes da edição não censurada de Ghost In The Shell. A partir daí, aos poucos fui percebendo melhor este mundo que se abriu para mim. Neste momento é 50% das minhas leituras.
Perante isto, este deslocar de euros para o Manga é apenas óbvio.
De notar que continuo a comprar e ler BD europeia e obras norte-americanas fora do mainstream de super-heróis.
Portanto, sim, abandonei os super-heróis; e não, não leio só Manga :)
Boas leituras