“O GOLPE DE SANGUE é o nome das brutais alterações climáticas que se abateram sobre a Terra.
O planeta está completamente desorientado, devastado, fragmentado por catástrofes naturais fora do comum.
Em poucas semanas o mundo perdeu toda a sua coerência.
A natureza expeliu toda a sua fúria.
Mais do que nunca a sobrevivência, é uma questão pessoal.
A procura por água potável tornou-se a principal preocupação, cada um por si.
Apenas alguns Eldorados, reunindo todas as condições de sobrevivência, subsistem ainda (locais geográficos improváveis, poupados pelos acontecimentos). Os homens estariam a reorganizar-se.
As comunicações são difíceis, os transportes terrestres são perigosos e os transportes aéreos são raros; por isso, só o mar oferece a alguns a possibilidade de chegar a estes lugares.
O estreito E17 é uma dessas passagens.
A história começa aqui.”
O que chama logo a atenção, e ainda sem ler/apreciar o livro, é a cuidada e excelente edição da ASA. Este livro com mais de 100 páginas está muito bom! Boa capa e óptimo papel no seu interior (repararam que eu escrevi óptimo com
"p"?). É claro que toda esta qualidade reflecte-se no preço… mas vale a pena!
Enki Bilal já foi referido neste blog com uma obra (
Trilogia Nikopol) e com uma informação de “lançamento” (
Quatro?).
Este artista Sérvio cedo abandonou a confusão de uma terra natal caótica e sempre em guerras político-religiosas. Rumou a França onde rapidamente deu nas vistas como desenhador, começando a trabalhar para a revista “Pilote”. Aqui nasceu uma frutuosa ligação com o argumentista Pierre Christin (
Valérian) saindo três livros:
-
O Cruzeiro dos Esquecidos (Meribérica)
-
O Navio de Pedra (Meribérica)
-
A Cidade que não Existia (Meribérica)
Depois disto ainda saíram “
A Caçada” e “
As falanges da Ordem Negra”, ambas de grande sucesso em França e editadas em português pela Meribérica. Bilal ainda teve mais uma parceria, mas desta vez com Dionnet, criando o “
Exterminador 17”, editado tanto pela Meribérica como pela ASA, seguindo depois com a sua carreira a solo. Criou nesta altura uma trilogia que é uma das minhas grandes referências na BD mundial:
Trilogia Nikopol. Esta trilogia foi editada pela Meribérica em volumes separados, sendo depois compilados pela ASA numa única edição.
Depois surgiu a
Tetralogia do Monstro, sendo o seu primeiro volume editado pela Meribérica e os restantes três pela ASA. Nestas duas últimas séries nota-se perfeitamente o cunho narrativo de Bilal. As ambiências são sempre em espaços pós-apocalípticos futuros e dá sempre a ideia que Bilal não tem muita confiança no animal humano… opressão político-religiosa, poluição "a rodos" e grandes avanços tecnológicos ao nível dos implantes artificiais no corpo humano.
Seja como for, goste-se ou não se goste, este autor oriundo de uma das regiões mais conturbadas do planeta não deixa nenhum leitor indiferente. Neste último livro (one-shot) todas as referências de Bilal que serviram para “
Nikopol” e “
Monstro” estão lá também.
É difícil não fazer analogias, mas Bilal não se consegue livrar de alguns estigmas de que já falamos atrás: futuro apocalíptico, destruição da natureza, embates filosóficos, sobrevivência e alteração artificial ao corpo humano.
A estória roda à volta de poucas personagens que à sua maneira apenas querem sobreviver! Para isso têm de chegar a pequenos “Eldorados” em que o ser humano consegue viver, e não apenas sobreviver. Quase como por acaso reúnem-se seis personagens com mentes bastante vivas e onde apenas um, Lester, não possuía um estojo de mutação para um híbrido golfinho/humano ou alguma mutação artificial. Aliás, um deles, Ferdinand Owles, é o pai deste tipo de hibridismo e das respectivas mutações. Este, mais a sua mulher e Kim (filha adoptiva), Lester,e mais dois híbridos acabam por se encontrar todos juntos após algumas partidas do destino, e juntos tentam atingir o estreito E17 que lhes dará o caminho para o Eldorado. Num mundo em que a água potável era ouro e em que uma das filosofias predominantes era o Nilismo (para não falar no canibalismo), tornava-se complicado…
Gosto particularmente da personagem Kim. Nesta, está muito bem delineada a figura carismática cheia de personalidade, poder e energia. Quanto aos dois estranhos personagens “secundários” que apenas falam quase exclusivamente por citações, têm uma importância também “secundária” mas dão uma envolvência estranha e particular à estória. A sua presença a maior parte das vezes não é física, mas está lá, sente-se o momento por eles preparado e cheio de intensidade: o duelo!
Já agora , como curiosidade incoerente, num mundo onde não se vislumbra uma única planta a sobrevivência animal é quase impossível, mas mais difícil será beber café...
Mas à parte disto tudo e lá no fundo, mesmo lá no fundo, Animal,Z é uma estória de amor! Porquê? Descubram vocês!
Quanto à arte, digamos que é …………… muito boa! A técnica usada é diferente dos livros anteriores fazendo lembrar sketchs, mas muito elaborados. Para a tonalidade muito particular deste livro contribui decisivamente o papel cinzento onde Bilal desenhou esta estória. Sendo o papel cinzento e o lápis usado para o traço ser de cor negra, o branco tem um realce completamente diferente, sobretudo quando de quando em vez surgem os “salpicos” vermelhos. Adorei!
Como já disse atrás Bilal não deixa ninguém indiferente, ou se gosta, ou não! Penso que não há meio-termo, por isso não digo que recomendo este livro para toda a gente. Mas para quem gosta, ou quem quiser experimentar um livro de Bilal pela primeira vez eu aconselho este livro.
Boas leituras!
Hardcover
Criado por: Enki Bilal
Editado em 2010 pela ASA
Nota : 9 em 10