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quinta-feira, 5 de março de 2015

Crónicas Temáticas: Reflexões e refracções V - O Pantera Negra é o pior rei de Wakanda




Nos últimos anos, o Pantera Negra tornou-se um dos membros mais importantes dos Vingadores, envolvido nas várias conspirações dos grupos Illuminati, um monarca de uma nação africana, impiedoso na sua determinação de salvaguardar o futuro do seu país, Wakanda. É considerado um dos super-heróis mais inteligentes e mais perigosos, amado pelo seu povo, no entanto… como rei, é um grande falhanço.

O passado de T’Challa tem sofrido algumas alterações nos últimos anos, especialmente pela mão de Reginald Hudlin, cuja origem colocou o Pantera Negra no Bendisverso. Mas esses implantes de cronologia têm permitido explorar melhor como um país isolacionista conseguiu tornar-se tão evoluído tecnologicamente. Sem trocas comerciais ou culturais, o destino normal de uma nação ou etnia é a estagnação. No entanto, os wakandas parecem ser motivados por paranóia, desenvolvendo novos conceitos com o intuito de praticar guerra à distância, e conquistando as tribos circundantes, integrando-as no reino de Wakanda, ostensivamente para servir de escudo humano.

Mesmo assim, há alguma batota por parte dos wakandas. Os estrangeiros não são bem-vindos, mas uma família, os Khanata, foram seleccionados pelo Pantera Negra para viverem isolados, acumulando conhecimento sobre o resto do mundo, depois de um acordo feito com o líder da nação mais poderosa da época, Genghis Khan. O herdeiro mais recente da família é Derek Khanata, agente da SHIELD e embaixador do império do Garra Amarela, o que o deixa numa excelente posição para obter acesso a informação vital para a segurança da nação de Wakanda.

Já agora, um aparte para mencionar que Pantera Negra não é um nome de super-herói, é o título dado ao chefe da tribo wakanda, e só depois do novo chefe provar que o merece, derrotando os melhores guerreiros, consumindo a erva-coração e estabelecendo uma ligação mística e psíquica com o deus-pantera, que na verdade é a deusa egípcia Bast. Esta ligação cultural de um país isolado com o antigo Egipto não deixa de ser irónica, principalmente se levarmos em conta que Wakanda, que é uma nação fictícia, é geralmente colocada nos mapas do Universo Marvel numa zona onde convergem quatro famílias linguísticas africanas, bantu, niger-congolesa, afro-asiática e nilo-sariana.

Também penso que a tecnologia superior de Wakanda pode ter origem noutra civilização, se quisermos introduzir conceitos do Universo Wold Newton de Philip José Farmer. Uma coisa que Lin Carter, Robert E. Howard e Edgar Rice Burroughs tinham em comum em algumas das suas histórias era o Grande Cataclismo que acabou com a civilização atlante, e que a Atlântida tinha estabelecido colónias no continente africano, que tinham ficado isoladas umas das outras após o cataclismo, lentamente caindo na barbárie. A semi-deusa La, dos livros de Tarzan, vem de uma dessas cidades.

Mas voltemos a T’Challa. O seu pai, T’Chaka, foi o primeiro rei de Wakanda a ter um contacto mais profundo com os europeus, chegando a considerar uma entrada nas Nações Unidas. Foi também ele que permitiu a exportação do mineral vibranium (que apenas existe em Wakanda e na Terra Selvagem, e que tem origens alienígenas, bem como propriedades mutagénicas), razão porque este é encontrado no escudo do Capitão América. Mas T’Chaka sempre desconfiou dos interesses ocidentais e queria manter o contacto com europeus e americanos ao mínimo, acabando por demonstrar ter a razão do seu lado quando foi assassinado pelo aventureiro belga Ulysses Klaw, que depois de tornou o super-vilão Garra Sónica.
 
T’Challa, por seu lado, sempre esteve fascinado pelo que era estrangeiro. Estudou em Oxford e resolveu transferir-se para Nova York para se unir aos Vingadores, onde acabou por conhecer a sua primeira noiva (com quem nunca se casou), a cantora Monica Lynne. Até permitiu que se construísse uma pizzaria na capital de Wakanda (como foi visto na mini-série Panther’s Prey). E foi durante estes períodos que permitiu o surgimento de algo raro no seu reino: oposição política. Numa história dos Vingadores, publicada em Avengers nº 62, o Pantera Negra levou a equipa com ele para se opor a M’Baku, o Homem-Gorila. Nas histórias publicadas na antologia Jungle Action, escritas por Don McGregor, o primeiro arco relatava o conflito com Erik Killmonger, o Terror Negro, um exilado acompanhado por um exército de homens que sofreram mutações, como Venomm e o Barão Macabro. Até a sua madrasta, Ramonda, teve que se infiltrar no exército do Reverendo Achebe, na série escrita por Christopher Priest, para impedir uma invasão externa. E até mesmo os apoiantes mais fiéis de T’Challa, como o seu guarda-costas Zuri ou o seu chefe de segurança W’Kabi, sempre foram bastante críticos deste interesse do seu rei em eventos no estrangeiro e da evolução tecnológica rápida de que o seu povo foi alvo.

Esta dispersão de interesses do T’Challa resultou na perda do título de Pantera Negra para a sua irmã, Shuri, desencadeando uma série de eventos que culminaram na destruição do monte de vibranium (que, no reinado de T’Challa, tinha-se tornado a principal fonte de rendimento de Wakanda, através da tecnologia patenteada pela empresa estatal, o Wakanda Design Group, cujos produtos mais famosos incluem as asas do Falcão e os jactos dos Vingadores, e que não podem ser duplicados sem este material) e depois na devastação de Wakanda por Namor, seu aliado nos Illuminati. Infelizmente para T’Challa, todos os medos do seu povo, da sua família e dos seus amigos acabaram por se concretizar.


terça-feira, 7 de outubro de 2014

Crónicas do Bendisverso III: Uma nova vida



O Universo Marvel foi afogado pela nova cronologia não planeada 'criada' por Brian Michael Bendis, mas isso não tem que significar que é tudo mau. Aliás, em termos de histórias, o Bendisverso tem algumas vantagens. Todos os escritores têm os seus personagens fetiche (por exemplo, Roger Stern trouxe de volta aos Vingadores os então esquecidos Mulher-Hulk e Cavaleiro Negro, Erik Larsen sempre foi um grande fã de Nova, Mark Waid ressuscitou Sharon Carter), mas neste caso Bendis conseguiu aumentar e muito a importância de personagens que escolheu para integrar o elenco dos Novos Vingadores, e inspirou outros escritores a fazer o mesmo com outros personagens:

Cage e Punho de Ferro
A dupla de amigos mais insólita do mundo juntou forças em 1978, quando as duas modas que lhes tinham dado origem (blaxploitation e kung fu craze) já se tinham eclipsado. No entanto, o duo teve algum sucesso no mercado direto e continuou no ativo até 1986, quando o Punho de Ferro morreu. Durante os anos 90, ambos não passaram de personagens secundários, com Luke Cage a ganhar uma revista própria pouco conhecida, num ambiente urbano-depressivo, enquanto Danny Rand foi ressuscitado na revista de Namor. O crossover “Heroes Reborn” permitiu o regresso da dupla nas páginas de “Heroes For Hire”, integrando uma formação de super-heróis convencionais, mas Bendis trouxe ambos de volta a histórias urbanas como coadjuvantes nas histórias de Demolidor. Ao dar o salto para a revista “New Avengers”, Bendis promoveu intensamente Cage como uma personagem importante para a consciência da equipa, como se fosse uma espécie de Grilo Falante super-forte e invulnerável, e hoje tornou-se inseparável do conceito integrando uma equipa criada por si na revista “Mighty Avengers”. O Punho de Ferro não demorou muito a integrar a equipa (fazia sentido), durante a Guerra Civil, mas o mais importante foi a sua passagem para o título solo “Immortal Iron Fist”, que o transformou de um objecto de curiosidade para um verdadeiro personagem de culto, graças ao excelente trabalho dos escritores Ed Brubaker e Matt Fraction.

Mulher-Aranha
Um de dois casos criados pela Marvel para ter versões femininas de super-heróis com marca registada, Jessica Drew foi uma personagem popular durante o início dos anos 80, com histórias escritas por Chris Claremont e algum envolvimento com os X-Men. Mas a personagem acabou por ser dada como morta e perdeu os seus poderes, sendo praticamente relegada ao esquecimento. Claremont ainda tentou usá-la nos anos 90 nas páginas de “Wolverine”, mas foi preciso esperar por Bendis para recuperar a popularidade antiga, restaurando os seus poderes e incluindo-a na equipa principal em “New Avengers”. A personagem acabou se tornar a peça central da infiltração skrull na comunidade de super-heróis, pois uma falsa Mulher-Aranha foi membro dos Vingadores durante a invasão da Terra, e quando Jessica foi libertada teve que provar o seu valor à equipa. Drew, que deve a sua origem à HYDRA e é um de vários heróis que é membro directo da SHIELD, acabou por integrar-se nos Vingadores, tanto na equipa principal como no grupo de espionagem em “Secret Avengers”, e Jonathan Hickman não a quis deixar de lado quando começou a escrever o título principal da equipa.

Doutor Estranho
Stephen Strange teve que reiniciar a sua revista e passar por antologias em algumas ocasiões, mas na prática teve um título próprio permanente entre 1964 e 1996, até ao crossover “Onslaught” e à falência da Marvel. Estranhamente, durante vários anos, fora a mini-série ocasional, passou a ser ignorado pela maioria dos escritores, que o consideravam excêntrico demais. O feiticeiro supremo da Terra sempre operou à margem dos super-heróis, pelo que não era considerado uma peça fundamental para o novo tipo de histórias que surgiu durante o início do reinado de Joe Quesada como editor-chefe. Mas Bendis criou uma equipa bastante ecléctica em “New Avengers”, e como resolver a questão dos poderes mágicos da então desaparecida e enlouquecida Wanda Maximoff era uma das histórias recorrentes, não demorou muito para o Doutor passar a ser membro de pleno direito da equipa. Mais, Bendis não resistiu a dar a Strange um papel muito especial no seu novo implante de continuidade, os Illuminati, que colocava o feiticeiro como uma peça importante em todas as crises que assolaram o mundo dos super-heróis no Universo Marvel. É nessa qualidade que o Doutor Estranho continua como membro, na atual encarnação do título “New Avengers”, dedicado especificamente aos Illuminati.

Destrutor
Como super-herói, Alex Summers sempre viveu na sombra do seu irmão, Ciclope, líder do grupo mutante X-Men. Mesmo no mundo real, o personagem tem tido apenas momentos ocasionais de brilhantismo, entrecortados por alturas em que era remetido para segundo plano. Depois de criado por Roy Thomas em 1970, Chris Claremont não precisou nele na sua formação dos X-Men, em 1975. Alex Summers chegou a tentar uma vida civil, pelo que Claremont raramente o usou até ao final dos anos 80. Foi Peter David o primeiro a explorar o verdadeiro potencial do Destrutor, na revista de temática mutante mais indiossicrática da época, “X-Factor”, onde o irmão mais novo do Ciclope passou a comandar uma equipa governamental. Mas no final dos anos 90, com novos escritores, o título X-Factor rapidamente deixou de se distinguir da manada e o personagem foi enviado para um universo paralelo, mais depressivo e dantesco, onde ficou preso durante dois anos. Quando voltou, mais valia ter lá ficado, pois foi parar às mãos do escritor Chuck Austen, na telenovela mexicana em que este tinha transformado “Uncanny X-Men”. Mas Ed Brubaker aproveitou a criação do terceiro irmão Summers em “Deadly Genesis” para recuperar Alex e colocá-lo no renascido universo cósmico com a história “The Rise and Fall of the Shi'ar Empire”. Mas foi Rick Remender que o trouxe de volta para a frente do Universo Marvel na revista “Uncanny Avengers”, onde Alex revelou ter uma personalidade bem mais amigável que o seu irmão, assumindo da equipa unidade Vingadores e X-Men.

Universo Cósmico
Tema cósmico não vende! Isso era um mantra entre alguns editores. Passava-se alguma coisa no espaço? A Terra tinha que ter alguma coisa a ver com isso. Guerra Kree/Skrull, Fénix, Cubo Cósmico, Guerra dos Espectros, Tempestade Galáctica, Desafio Infinito, tudo acaba por desaguar na Terra, um planeta tecnologicamente pouco avançado, cuja população não tem capacidade para se aventurar para fora do seu sistema solar. Faz sentido que, num universo tão grande, tudo se passe à volta de um pequeno planeta azul num braço da espiral da Via Láctea? O editor Bill Rosemann disse que não. Rosemann foi o responsável pelo interesse renovado nas histórias passadas em naves espaciais e planetas alienígenas. Não é uma consequência directa da chegada do Bendisverso, mas vem no seguimento de uma nova forma de escrever histórias (representadas por Bendis e por Brubaker, por Kieron Gillen, Matt Fraction e Jonathan Hickman), graças ao trabalho de Rosemann, mas também de Keith Giffen e, mais importante, de Dan Abnett e Andy Lanning. As histórias “Annihilation”, “War of Kings” e “Realm of Kings”, os títulos do Nova e dos Guardiões da Galáxia, contam todos com heróis terrestres, mas o planeta Terra é quase ignorado. Tudo se passa numa galáxia muito, muito distante (ainda que no presente em vez de há muito, muito tempo). E agora que o filme dos Guardiões da Galáxia foi um sucesso, as histórias no Espaço Sideral vão continuar a fazer parte do Universo Marvel durante o futuro próximo. E até Bendis já está a escrevê-las. Mas não tão bem como Abnett & Lanning.

terça-feira, 22 de abril de 2014

A Palavra dos Outros: Crónicas do Bendisverso II - Um passado que muda todos os dias


Chegou mais uma "Crónica do Bendisverso" escrita por Paulo Costa!
E mais uma vez estou de acordo com o Paulo neste Bendisverso...
:D

Crónicas do Bendisverso II: Um passado que muda todos os dias

Já se passaram dois anos desde que a DC reiniciou completamente a sua cronologia com o evento “Flashpoint” e a subsequente série de títulos apelidados “New 52”. Cada vez que altera a sua cronologia, a DC insiste em fazer histórias espalhafatosas para poder dizer “Vejam! É tudo novo!”. A Marvel simplesmente cria uma nova continuidade e nem chama a atenção para isso, até porque acontece de forma perfeitamente acidental. A causa é uma: Brian Michael Bendis, o homem que inventa passados para os personagens quando lhe dá jeito.

As sementes do Bendiverso foram plantadas quando Bendis escrevia o Demolidor. Bendis resolveu explicar porque o vilão Homem-Sapo (Leap-Frog), um antigo inimigo do Demolidor da era pré-Frank Miller, quando a revista era ridícula. Acontece que a história da redenção do Homem-Sapo e do seu filho assumir o uniforme para tentar lançar-se com uma carreira de herói (também como Homem-Sapo, mas no original Frog-Man) era bem conhecida, tendo sido publicada numa história do Capitão América, com um seguimento numa história seguinte do Homem-Aranha. Bendis não pesquisou, não perguntou e abriu a caixa de Pandora.

Este tipo de revisão não era inédito. Quando Roy Thomas reintroduziu o Ciclone (Whizzer) no Universo Marvel, tentou explicar que ele não conhecia o Capitão América, apenas o seu substituto. No entanto, o próprio Thomas, ao escrever as histórias dos Invasores nos anos 70, contribuiu para que o Ciclone e o Capitão América original trabalhassem juntos várias vezes. O Cable, por seu lado, foi criado por Rob Liefeld como um personagem que toda a gente conhecia mas nunca tinha sido mostrado. Mas o modo como Bendis ignora a continuidade roça o irresponsável e já contaminou os seus colegas que têm chegado à Marvel nos últimos anos, nomeadamente Nick Spencer e Jonathan Hickman. O que nos leva à mudança radical que está a ser feita ao grupo de personagens mais metafísicos do universo cósmico.


Hickman já tinha tentado reconstruir o passado do SHIELD, tanto na série “SHIELD” (onde a organização existe desde a época renascentista, fundada por Leonardo da Vinci) como em “Secret Warriors” (ligando organizações antagónicas como a SHIELD, HYDRA e o Zodíaco a uma fonte comum). Transformou, também, Reed Richards num herói presente em vários universos. Mais recentemente, na actual fase que tem escrito nos Vingadores, têm morrido algumas figuras clássicas, como o Tribunal Vivo e o Vigia. E a introdução dos Builders no crossover “Infinity” parece ter sido feita para tirar de cena os Celestiais, uma vez que ambos têm funções e motivações praticamente idênticas. De certo modo, é compreensível. Às vezes, personagens com poderes de deuses deviam ser únicos, e não é tão fácil estar sempre a inventar ameaças que podem aniquilar o universo.
























Mas o modo como o passado é afectado vê-se também em histórias mais mundanas. Tivemos o caso de Bendis e Howard Chaykin a criar uma equipa de Vingadores existente em 1959 (incluindo Kraven, Namora, um Dentes-de-Sabre uniformizado pré-Arma X e, é claro, o avatar de Chaykin no Universo Marvel, Dominic Fortune), Ed Brubaker a criar uma equipa desaparecida de X-Men na mini-série “Second Genesis” e ao fazer do falecido Bucky um agente soviético vivinho-da-silva durante todo o período em que supostamente esteve morto. E, quiçá a modificação que faz menos sentido, vimos também Matt Fraction a introduzir um Nick Fury Jr. negro que toda a gente parece aceitar sem problemas e conhecer há vários anos, só para aproveitar o Ultimate Samuel L. Fury que aparece nos filmes.


No passado, os fãs discutiam se a presença dos Beatles, do presidente Jimmy Carter, das referências a séries de TV canceladas ou das calças à boca de sino fariam sentido em flashbacks. Na prática, havia uma regra não escrita que as histórias passavam-se no mês e ano em que foram publicadas, e que representavam o passado mas os detalhes menos importantes não necessitavam de ser mencionados, desde que o tema central da história fosse preservado. Mas agora até os detalhes mais importantes são ignorados, a não ser que sejam necessários para a história a contar hoje. De facto, quem precisa de um “New 52”?

Texto:
Paulo Costa

Podem ver os outros artigos do Paulo Costa, bastando para isso clicar no nome dele!
:)
E podem ver também a primeira crónica do Bendisverso no seguinte link:

Crónicas do Bendisverso I - Peter Parker merece um final feliz

Boas leituras

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

A Palavra dos Outros: Crónicas do Bendisverso I - Peter Parker merece um final feliz


Volta a rubrica "A Palavra dos Outros" com novo artigo de Paulo Costa.
Um excelente artigo, por sinal, com o qual eu concordo a 100%!

A Marvel nunca conseguiu lidar com o seu melhor personagem de há uns anos para cá e aquele tipo, o Bendis, destruiu o "meu aranha"...
Eu não podia estar mais de acordo com o Paulo.

 Crónicas do Bendisverso I: Peter Parker merece um final feliz


Vamos admitir, o Peter Parker não tem conserto. Já tentaram várias vezes. Primeiro disseram que ele era um clone, depois disseram que não era um clone. Apagaram-lhe a filha de existência, ressuscitaram-lhe a tia idosa, separaram-no da mulher, juntaram-no novamente à mulher, deram-lhe um emprego estável e mal pago, tentaram fazer dele um avatar animal, trouxeram o maior inimigo de volta, puseram-lhe a namorada morta a pôr-lhe os palitos com o maior inimigo, fingiram que a mulher tinha morrido, desfingiram que a mulher tinha morrido, puseram-no novamente num emprego instável e mal pago, fizeram dele estagiário do Tony Stark, revelaram a identidade secreta, puseram-no nos Vingadores e regurgitaram tudo novamente num acordo com o Diabo, só para tê-lo com uma identidade secreta, num emprego instável e mal pago, a viver com a tia idosa e sem nunca ter sido casado. E depois mataram-no e puseram o segundo maior inimigo dentro da cabeça dele. Mas continuou a ser membro dos Vingadores.

Portanto, esqueçam. Não é possível regressar aos bons velhos tempos do Parker aluno universitário que tira fotografias para um jornal e vive com a tia idosa e não sabe como chamar a atenção da mulher que se recusa a admitir que ama, ao mesmo tempo que ignora as outras duas que se atiram aos pés dele e mantém uma relação puramente física com uma criminosa de carreira. É que nem vale a pena. O Homem-Aranha é o único vigilante mascarado da Marvel que procura ter uma vida típica do super-herói clássico, mas todos os outros heróis já deixaram essa vida para trás. Tornaram-se um híbrido de uma agremiação cultural com uma força paramilitar, em que toda a gente se conhece e toda a gente trabalha na mesma área, sem espaço para vida civil, algo que já referi no meu antigo artigo sobre identidades secretas.

























Forçar o Peter Parker, um exemplo único de humanidade num mundo onde era possível destruir o World Trade Center todas as semanas e ninguém reclamar, a integrar-se nesta realidade de guerra constante entre gangues superpoderosas é errado. E depois de 20 anos de toda a gente reclamar que havia um problema com as histórias que não conseguiam identificar, a constante invenção de problemas identificáveis para resolver o problema por identificar cansou.


No fundo, Peter Parker cresceu. Essa sempre foi a sua jornada, tal como Steve Ditko a tinha delineado nos anos 60, antes de abandonar o personagem. Depois da morte do tio, teve que se tornar homem. Acabou o liceu, começou a trabalhar para pagar as contas da universidade, tentou equilibrar uma vida tripla entre as necessidades profissionais, académicas e morais, ao mesmo tempo que se perguntava quando teria tempo para si e para procurar a mulher dos seus sonhos. E isso não se coadunava com o modo como o resto do Universo Marvel era tratado, já nos anos 70 e 80. Por isso, enquanto os escritores consideravam esta procura pela maturidade um erro (que não era), tentaram infantilizá-lo o mais possível (o verdadeiro erro) e impedi-lo de atingir o seu verdadeiro potencial. Agora que todos os super-heróis são membros dos Vingadores e são proactivos na caça aos bandidos mascarados superpoderosos, Parker não tem espaço para crescer como personagem, porque a sua história já não é relevante. Tudo deu lugar aos Vingadores.

























Como personagem e ídolo de milhões durante décadas, Peter Parker merece mais, pois não o vão deixar ser um membro de pleno direito dos Vingadores. Dada a sua experiência, poderia sê-lo. Mas não vai acontecer. Então, o ideal é fazer com que ele desapareça de cena. Que, depois de tudo aquilo que sofreu durante décadas, tenha o final feliz que merece. Casar-se com a Mary Jane, ir viver para os subúrbios, ter filhos e uma hipoteca da casa para pagar e trabalhar das 9 às 5. Longe da confusão dos super-heróis e dos super-vilões, para que não os possa ver e não se sinta tentado a pegar nas teias e na máscara para pagar por um erro cometido na juventude.


O Universo Marvel pode sobreviver sem Peter Parker. Mas talvez não possa sobreviver sem Homem-Aranha. Não que a Marvel fosse deixar o Homem-Aranha desaparecer e a sua história acabar. Mas tem outros meios para continuar. À sua disposição tem quatro personagens para fazer isso, mas ao contrário de “A Morte do Super-homem”, aqui podem ser todos o verdadeiro. Um mais do que os outros, talvez. No Universo Ultimate, Peter Parker era aquilo com que os escritores sonhavam, um jovem adolescente com problemas pessoas, escolares e familiares. Por isso, não fez muito sentido matarem-no. Claro que, aqui, Parker estava integrado no tipo de universo pós-humano onde todos os super-heróis eram militares, mas como era jovem, seria mais fácil integrá-lo. Nick Fury achava que ele tinha potencial para ser um grande herói, mas foi assassinado por Frank Castle. Para o seu lugar, entrou em cena uma minoria étnica. Isto surge na sequência das afirmações do actor Donald Glover, que se mostrou interessado em interpretar o Homem-Aranha. A Marvel respondeu criando o porto-riquenho Miles Morales, que se tornou o Homem-Aranha do Universo Ultimate. Mas este universo não faz sentido quando a militarização que surgiu aqui começou a infectar o restante do Universo Marvel. Com Galactus a aparecer nesta Terra paralela, esta devia ser destruída e Morales devia ser transferido para o Universo Marvel normal, para ser o Aranha jovem que a editora precisa.

























Mas Morales não é o único Homem-Aranha disponível, mesmo que ele possa ser o principal. Miguel O’Hara, o Homem-Aranha do ano 2099, já apareceu no Universo Normal no título “Superior Spider-Man”, e também tinha interagido com o tempo presente no antigo título “Exiles”. Com algum conhecimento científico (Parker é bioquímico, O’Hara é geneticista) e tendo adquirido os seus poderes já na idade adulta, serve perfeitamente para ocupar o lugar de um Aranha com experiência. E não é tudo, pois o amigo de Peter Parker, Flash Thompson, é o actual hospedeiro do simbionte alienígena Venom, tendo recentemente integrado os Thunderbolts e os Vingadores, podendo perfeitamente fazer homenagem ao seu ídolo, aproveitando a sua experiência militar (que não é uma invenção nova, Thompson foi enviado para o Vietname nas histórias dos anos 70). Finalmente, um dos malfadados clones também está em actividade. O amoral Kaine está menos amoral e nos últimos anos tem assumido a face do Aranha Escarlate, antes usada pelo clone Ben Reilly. Opções não faltam para substituir o Homem-Aranha e deixar Peter Parker longe da confusão pós-humana que tomou conta do Universo Normal. Porque Parker merece.

Texto:
Paulo Costa

























Foi mais uma excelente crónica do Paulo Costa. E pelos vistos haverá mais "partes" sobre o tema Bendisverso... lol

Podem ver todos os artigos escritos pelo Paulo Costa simplesmente clicando em cima do nome dele.

Boas leituras

quarta-feira, 27 de março de 2013

Crónicas Temáticas: Reflexões e Refracções IV - Afinal, qual é o número de segurança social do Don Blake? por Paulo Costa


A rubrica "Reflexões e Refracções" apresenta a sua quarta entrada no Leituras de BD pela mão de Paulo Costa.

Desta vez o alvo é o Thor!
E sim... onde pára a Certidão de Nascimento de Donald Blake??
:D

Reflexões e Refracções IV: Afinal, qual é o número de segurança social do Don Blake?


Thor, deus da mitologia nórdica, tornou-se um super-herói na moderna. E ao tornar-se um super-herói adquiriu também uma tradicional identidade secreta, a do médico Don Blake. A identidade mortal era um castigo. Criada por meios místicos, transformou Thor num humano adulto, sem lembranças do seu passado, e aleijado de uma perna, de modo a ter que passar por dificuldades de um modo que nunca passou como herdeiro do trono de uma sociedade tecno-mágica onde toda a gente tem super-poderes e é imortal.

No entanto, transformar um deus num humano adulto e soltá-lo na sociedade do Século XX é muito mais complicado que agitar as mãos e lançar ao ar uns pozinhos de poder cósmico. Algo que sempre me incomodou na criação da identidade do ar, mesmo quando eu tinha uns oito ou nove anos de idade, era como é que Blake entrava para a universidade para estudar medicina se não tinha registos escolares. Aliás, como não tem passado, não tem registos escolares, certidão de nascimento, cartão da segurança social ou carta de condução. Mesmo nos anos 60, dava algum trabalho criar a pessoa que seria Don Blake.

É preciso acrescentar que, se não tem quaisquer lembranças da sua vida antes de entrar na universidade, Don Blake não tem qualquer experiência como funcionar na sociedade humana moderna (no mundo real, os islandeses abandonaram o paganismo ancestral no Século XV), não tem referências culturais, nem sequer devia falar inglês. Também deveria sofrer de problemas emocionais por não ter qualquer memória de uma infância que nunca existiu.

Don Blake foi progressivamente ignorado, mesmo por Stan Lee, geralmente ressurgindo apenas quando dava jeito para a história usar a sua fraqueza de reverter à forma mortal após 60 segundos sem ter o martelo na sua posse. A melhor coisa que aconteceu a Don Blake foi ser destruído por Walt Simonson, que criou a nova identidade civil de Sigurd Jarlson como uma piada. A única história onde a dicotomia Thor/Blake foi bem usada foi uma graphic novel publicada depois da “morte” de Blake. O interesse de J. Michael Straczynski em ressuscitar Blake é estranho, até porque parece ser uma personalidade diferente e autónoma.

























Texto de Paulo Costa

Mais uma excelente entrada com perguntas pertinentes feitas por um jornalista!
Obrigado ao Paulo Costa por mais este artigo. Se clicarem no nome dele irão ter acesso a todos os artigos que ele já escreveu para o Leituras de BD!
;)

Boas leituras

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Crónicas Temáticas: Reflexões e Refracções III - Bangalla, o Reino do Fantasma por Paulo Costa


Temos mais uma crónica temática escrita pelo Paulo Costa!
São sempre bons e divertidos momentos dentro deste blogue, e já já já a terceira só para vocês, leitores do LBD!
:D


Reflexões e Refracções III: Bangalla, o Reino do Fantasma

De volta com mais um olhar num tema específico dentro de uma história de banda desenhada. Desta vez, passamos para o Fantasma, criado pelo cartunista Lee Falk em 1936 e ainda hoje publicado, 13 anos depois da morte do seu criador. O Fantasma é dos últimos heróis colonialistas ainda em actividade, numa era em que o conceito do herói branco que vem da civilização para salvar os ‘nativos’ na própria terra destes não é apenas ofensivo, é mesmo racista. No entanto, aqui ainda parece funcionar.

Ambientada no país fictício de Bangalla, que no início da história ficava algures na Índia, a história do Fantasma logo se estabeleceu em África. Como é costume nos países que só existem em histórias, não se sabe exactamente qual é a extensão de Bangalla, sendo que qualquer pessoa com um conhecimento mínimo de geopolítica sabe que é impossível colocar estes países num mapa sem roubar espaço a outros. Geralmente, estes países são micronações, mas a quantidade de selva inexplorada dá a ideia que Bangalla tem uma extensão considerável.

Bangalla é uma democracia independente mas há vários anos que é governada pelo mesmo presidente, o ex-médico Lamanda Luaga. Pior, o regime de Luaga não parece ter muito poder além da capital Mawitaan, única metrópole e único local com civilização europeia do país.
A maioria de Bangalla é composta por selva habitada por tribos que continuam a viver de acordo com as tradições pré-colonialistas, com acesso limitado a tecnologia. Durante séculos, foram protegidos de esclavagistas e potências colonizadoras pelo Fantasma (e pela sua organização paralimitar independente, a Patrulha da Selva), pelo que poderão não sentir necessidade.

Seja como for, o acesso à capital parece garantido, já que o presidente Luaga e o seu inimigo, o general Bababu, são Llongo, e o filho do chefe Wambutto dos Wambesi já foi estudante universitário. Apesar da sua tribo não ter sido revelada, o coronel Worobu, chefe da Patrulha da Selva, parece ser Wambesi. Os Llongo e os Wambesi, as duas tribos mais poderosas e que aparecem com alguma regularidade, praticam a pastorícia e agricultura com algum sucesso, enquanto os Mori são pescadores. Os pigmeus Bandar são uma anomalia, já que a sua função é proteger a lenda do Fantasma. Inicialmente, eram conhecidos como canibais, depois pelas suas flechas envenenadas, mas agora parecem bastante mais amigáveis.

Se as tribos locais podem dar-se ao luxo de escolher ficar longe dos avanços tecnológicos da civilização (sem falar dos aspectos sociais, se bem que a maioria das tribos corresponde ao cliché do ‘selvagem nobre’), o mesmo não se pode dizer das várias micronações independentes que existem nas montanhas.


Muitas vivem isoladas da civilização. Apesar do seu pequeno tamanho, muitas são habitadas por populações de origem europeia e existem num nível tecnológico e social situado algures entre a era medieval e a Revolução Industrial. Mesmo que a presença do Fantasma tenha impedido uma colonização prejudicial às tribos nativas, seria quase impossível estes pequenos reinos permanecerem ignorantes dos avanços mundiais. Mesmo as cidades-estado mais avançadas, como a Baronkhan liderada por Rex King, o filho adoptivo do Fantasma, deveriam ter exigido algum degrau de autonomia ou participação na governação após a Partilha de África na Conferência de Berlim de 1884, quanto mais após o processo de descolonização. No entanto, mesmo quando aparecem em histórias actuais, têm leis próprias e funcionam de modo independente de Bangalla, com quase nenhum contacto com as populações locais ou com os seus antepassados europeus. Nunca foi explicado como estes países foram lá parar e como continuaram a ter populações exclusivamente caucasianas.



Passar tempo a explicar o processo político de Bangalla retiraria espaço às aventuras do Fantasma, mas responderia a muitas perguntas que existem sobre os vários anacronismos que permanecem vivos numa nação moderna, mesmo quando está localizada no continente africano.

Texto: Paulo Costa

Espero que se tenham divertido e pensado um pouco com este texto do Paulo. Se clicarem no nome dele ficam com acesso a todos os posts que le já fez aqui no Leituras de BD.

E presumo que isto não vá ficar por aqui... até eu já estou a ficar entusiasmado em fazer uma Crónica Temática!

Ficam mais umas imagens desta mítica personagem criada por Lee Falk.





Boas leituras!

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Opiniões Várias Sobre a Banda Desenhada em Portugal


Já há uns tempos que ando calado mostrando uns livros e umas imagens e o blogue tende a tornar-se monótono.
Assim lá vou hoje arranjar mais uns tipos que vão ficar chateados comigo! É a vida…

Primeiro quero falar de coisas agradáveis.
Existem alguns protagonistas neste meio que têm decididamente o meu aplauso. E porque não tenho medo de falar em nomes posso enumerar dois por razões diferentes. Atenção, outros que primam pelo amor que têm à Banda Desenhada também têm o meu respeito! Nada de confusões…

Primeiro quero salientar o papel editorial da Maria José Pereira que, contra todas as dificuldades que tem dentro da ASA/Leya, tem conseguido trazer-nos livros de qualidade europeia, com capas desenhadas pelos autores apenas para NÓS portugueses (sim, os franceses já ficaram com inveja de nós…).
De notar que apesar do corte editorial da ASA no departamento de BD, esta continuou a publicar séries on-going, iniciar outras e muito importante: estar aberta aos autores portugueses.
Não publica Comics? Não. Outros o façam, não é a especialidade “da casa” portanto outros que se cheguem à frente. Críticas antigas? Séries canceladas, pois, pelos vistos (devagarinho) o departamento de BD da ASA tem andado a continuar, conforme deixam na Leya ou conforme as vendas para o público: Bouncer, Murena, Armazém Central, Thorgal, Escorpião, Gato do Rabino, Águias de Roma para dar alguns exemplos. Reedições com roupagem nova como o Corto Maltese, que esgotam apesar do preço, Asterix de cara lavada para o filme de Outubro, Alix e o Vagabundo dos Limbos para os nostálgicos. Bom… já perceberam, não vou ser exaustivo!
Fora dos livros, esta responsável editorial conseguiu o feito de arranjar um espaço EXCLUSIVO para a BD numa livraria da Leya, a Buchholz, só dedicado a pequenos eventos de Banda Desenhada. Parece fácil? Então tentem fazer o mesmo!

Numa vertente comercial bastante agressiva, mas com qualidade e garra, destaco Mário Freitas o responsável da Kingpin. Chamou a si um dos grandes festivais de BD em Portugal, iniciativa própria, e sem apoios monetários de ninguém, conseguindo a diálise entre a Manga/Anime e os Comics. Isto está impresso no nome. Mas isso foi o início! São apresentados livros, exposições e debates com autores estrangeiros de qualidade, e autógrafos. Mas… e os autores portuguese? Passam por lá também praticamente nos mesmos moldes. Como juntar e colar isto tudo? Muita animação proporcionada por Cosplayers e muita juventude! É uma festa na BD portuguesa!

As lojas de BD estão mal? A Kingpin não se queixa. Grande marketing e agressividade comercial levam a marca a uma posição não de sobrevivência, mas de vivência. A Kingpin está em todos os eventos (ou quase) sempre com boas bancas, e incrivelmente… vende! Porque será? Talvez porque se esteja sempre a reinventar cada vez que é necessário. Edição de livros? Pois, a Kingpin também o faz. Com as limitações de uma pequena empresa, não entra em loucuras e vai pondo o seu símbolo nas lombadas de alguns livros de qualidade (infelizmente com tiragens pequenas), mas estranhamente ignorados no nosso meio bedéfilo. Porquê? Eu até podia dizer, mas ficava-me mal. Mário Freitas pode ser um dínamo em pessoa, mas como é lógico boa parte do seu sucesso é saber rodear-se das pessoas certas nas alturas certas, mas para fazer isso também é preciso saber cativar e motivar os colaboradores!

O meu “prémio resiliência” vai para o Paulo Monteiro!
Um festival organizado por uma Câmara Municipal tem destes problemas… falta o dinheiro no país, e a torneira fecha-se para este tipo de eventos culturais. O Paulo Monteiro conseguiu ao longo dos anos fazer um dos festivais mais agradáveis a que eu já fui. Já falei bastante noutras alturas sobre as características únicas deste festival (basta clicarem na “tag” FIBDB), e fazer um festival internacional de BD numa cidade muito interior de Portugal é obra!
Este ano o Paulo Monteiro viu inicialmente este festival ser praticamente cancelado devido à crise… Baixou os braços? Não. Desistiu? Não! Foi para a frente com os amigos que arranjou ao longo do tempo fazendo um festival com a “prata da casa” e curtíssimos apoios financeiros. Não teve o brilho de outras alturas, mas não deslustrou em nada a BD. Conseguiu um programa diabólico, sem parar, e sempre ao minuto para que tudo o que organizou estivesse no ar a horas e de acordo com o programa. Coragem e empreendedorismo! É o Paulo Monteiro!

Outras editoras para além das que já falei neste texto também merecem referência. A Devir não publicou muitos livros, mas conseguiu pôr à disposição dos portugueses uma grande obra da BD mundial: Blankets! Os meus parabéns por isso, foi uma grande edição em capa dura mas temo que os portugueses na sua generalidade não mereçam obras deste calibre. Espero sinceramente que tenha vendido bem para talvez Habibi ser publicado também. Quanto às restantes publicações desta editora tenho a dizer o seguinte… Publicar o excelente Manga Death Note em português é bom! Muito bom! Mas… uma série que já foi terminada no original e em inglês há muito tempo, e nem sequer tem muitos volumes, tem de ter um ritmo certo de publicação. Isso não acontece. Uma série destas tinha de ter pelo menos três volumes publicados por ano num ritmo constante. Outra grande série que esta editora se propôs a publicar foi Walking Dead. No original vai no Vol.16, e aqui está a ser publicada ao ritmo da série de TV! Ou seja… nunca mais chegamos lá, a não que comecemos a comprar em inglês!
Qual é o aspecto negativo desta irregularidade de publicação, para não falar na míngua que é um livro por ano? O fantasma do cancelamento! Sobretudo no que respeita a Death Note. Nunca mais sai o próximo, e algumas pessoas que não costumam comprar em inglês começam a atrever-se agora! Isto é muito pernicioso para o nosso mercado, e para as outras editoras. As pessoas descobrem que podem comprar facilmente importados e não é assim tão difícil de ler!

A Contraponto surge no mercado com outra grande obra autobiográfica: Persepolis. Num único volume, que pareceu um golpe de mágica, eis que surge esta obra premiada em todo o mundo. Mas a Contraponto depois disso já publicou mais dois livros de BD! Vamos a ver se é para continuar.
Mas não foi só a Contraponto a surpreender, a Saída de Emergência depois da obra de David Soares “É de Noite que Faço as Perguntas”, com que iniciou o seu catálogo de BD (corrijam-me se estiver enganado), publica O Cavaleiro de Westeros! Espero que esta editora também inicie a série principal de George R.R. Martin em BD (não sei se é pedir de mais…)!
A Booksmile dá a ideia que apanhou um susto comercial com o excelente Scott Pilgrim, e penso que abandonou a BD…

Falando de concursos, eventos e festivais.
Tivemos festivais que sobreviveram (Beja) felizmente. Esperemos que para o ano tudo corra ainda melhor a este festival. O Amadora BD não sei se vai continuar na mesma, se se vai modificar, melhorar, piorar, enfim daqui a um mês vamos descobrir! Gostaria que este festival ouvisse mais os diferentes agentes que o tornam mais interessante na medida do possível, como lojas e editores. Aliás, vou cobrar aqui o que o seu director disse em Novembro do ano passado: “Quando o festival acabar, passado um mês vou reunir com os lojistas e editores para delinearmos uma estratégia comum de modo a tornar o festival melhor e mais apelativo”.
Que eu saiba isto nunca aconteceu, o Nelson Dona que me desculpe, mas acho que só disse aquilo para calar o pessoal que estava dentro da sala e depois não pensou mais no assunto! Não é a melhor maneira de lidar com os problemas. Por isso o festival da Amadora pouco tem evoluído desde que me lembro dele…
Anicomics. Exactamente o contrário! Sempre a inovar, a maturar novas ideias, dinamismo, velocidade, horários razoavelmente cumpridos. Um festival cada vez maior, embora eu gostasse que o peso dos comics fosse maior na animação ao redor deste festival de Lisboa!
Faço um repto aos Cosplayers, para o ano em vez de representarem figuras Manga, tragam personagens dos Comics!
O MAB. Por razões já amplamente debatidas não funcionou. Seria um bom festival de BD se tivesse uma organização mais estruturada e experiente, apoiada em pessoas já com algum “know how” de tudo quanto rodeia um festival, um festival de BD não é só autores. Se houver novo MAB, que tenham isso em conta!
Pequenos festivais de BD que vão aparecendo nalgumas cidades mais pequenas. Bom, eu admiro o gosto que estas pessoas têm pela BD e provavelmente fartam-se de trabalhar para que as exposições sejam as mais apelativas possíveis. Eu respeito mesmo o que fazem, porque merece respeito. Mas faço a pergunta, no figurino em que estão a ser apresentados ao público acham que funciona mesmo? As temáticas são ao gosto de quem? Pois. Eu tenho como certeza absoluta que neste momento de crise das Câmaras cada evento de BD TEM de contar! Não é só fazer porque gostamos. Temos de escolher um público-alvo que dê continuidade ao nosso trabalho, ou seja jovens. E os jovens não querem neste momento admirar obras de autores já passados! Foram importantes e devem ser respeitados, mas as temáticas, autores e figurinos de exposição têm de ser adaptados para outras pessoas. Dizem-me… “Áhh… tu és só garganta! Diz-me tu como fazer isso!” Eu digo. Com muita imaginação! E cada caso é um caso, portanto quem se propõe a fazer estes eventos que ponha a imaginação a funcionar, e dinâmica em cima! Não vale a pena fazer mostras de BD apenas com autores que já passaram e com exposições (não estou dizer se são boas ou más) nos moldes tradicionais. Assim só terão uns quantos visitantes com mais de 35 anos de idade, ou 40! E os mais novos vão-se apercebendo dessa situação e deixam de ligar mesmo: “Áhh, aquilo é tipo uma cena póhs cotas…”.
Por isso eu digo, façam contar cada evento, sejam certeiros. Criatividade é a chave! Há que chamar a juventude para a BD e não é com certeza dentro daquele figurino tradicional que se aproximarão de uma dessas mostras de BD. (Estou a ser generalista, claro).
Depois temos outros tipos de eventos que se pretendem como eventos de BD, mas acabam por não o ser. Posso falar do Portusaki nesta categoria. Evento com duas edições este ano, em que a primeira foi praticamente toda orientada para a cultura oriental, e a segunda tentou ser mais abrangente com alguns autores de BD a darem autógrafos e a entrega dos Troféus Central Comics. Pelo que vi das fotos e ouvi de pessoas que lá foram isto não foi conseguido. A parte BD não funcionou! Para aliciar as pessoas que gostam de ir a eventos de BD é necessário ter nomes que chamem e ter uma programação à volta delas que funcione, por exemplo boas exposições, e debates participativos. Não é por dizer aqui estão o Jorge Coelho, o Filipe Melo e o Sama que as pessoas vão a correr para lá. Ou seja a parte BD deste evento ficou completamente escondida pelo resto do cartaz de actividades. Podem dizer “não estiveste lá”… é verdade não estive, mas tenho a informação de pessoas que lá estiveram! Comercialmente parece que não correu muito bem, e ao nível das actividades de cartaz apenas não tenho informação daquelas de cariz oriental e Cosplay, mas pelas reacções nas redes sociais não me pareceu que tivesse aquele entusiasmo pós-evento normal. Para todos os efeitos, o estigma de ser um evento virado para a cultura oriental ficou, e a parte de BD (que é a que interessa para mim) não teve a expressão desejada. Logo, e na minha opinião, é um evento falhado na vertente BD, logo não o considero sequer representativo como festival desta arte.

Em relação a lojas de BD activas no mercado existem poucas, infelizmente. Desapareceram algumas por várias razões, outras pelas razões contrárias continuam no mercado.
Para uma loja especializada em BD subsistir tem de trabalhar muito bem. Tanto na apresentação do seu produto, inovação criativa de modo a chamar a atenção e conseguir colocar as pessoas dentro da loja. Umas não precisam tanto disto devido a uma boa localização e tradição, caso da BD Mania, outras trabalham para “obrigar” as pessoas a entrar, caso da Kingpin e do Mundo Fantasma. Fazem-no com festas, exposições e lançamento de livros. Um livreiro tem de ser muito imaginativo para vender este produto. A Dr. Kartoon de Coimbra penso que também andará a trabalhar bem, visto que nunca ouvi ninguém queixar-se dessa loja. Aqueles que não trabalharam bem com certeza não tiveram o sucesso pretendido, o que acabou por nalguns casos a obrigar ao fecho da loja.
Mais, existe uma situação perniciosa agarrada ao fecho destas lojas: Os seus donos para minimizarem perdas do seu mau negócio fazem uma coisa que agrada a curto prazo aos leitores, ou seja venda ao desbarato! Para além de não terem trabalhado bem enquanto tiveram a loja, estragam o negócio a quem trabalha bem. Ou seja, nestes turbilhões de saldos acabam por de algum modo arrastar o negócio de outros para trás. Isto num negócio a nível nacional (tipo venda de batata frita) não trazia problema nenhum, há muita gente a comprar e o produto é vendido em todo o lado, agora num negócio onde existem poucas lojas, pode ser mortal para aquelas que ainda estão vivas! Áhh… o leitor gosta, claro… mas se as outras lojas começarem a desaparecer se calhar não é assim tão bom!
Pegando neste assunto, e fazendo o arco para as livrarias generalistas. Continua a passar-se a mesma coisa com os restos da Meribérica. Conseguimos encontrar na mesma prateleira de uma livraria o mesmo livro de duas editoras, uma que faliu e o livro custa entre 1 a 3 EUR, e depois temos o livro de uma editora viva, que pagou os direitos desse livro, que teve de pagar gráficas e distribuidores a 12 ou 14 EUR! Isto é pernicioso falando no futuro, as pessoas deviam perceber isso. Gostam muito no presente e (incrível) chamam ladrões, como já ouvi, à editora que tem o livro mais caro!! No futuro… poderão ter mais uma editora fechada por causa do prejuízo que teve com essa edição, e depois o deserto editorial passa a ser maior…
Neste caso aponto o meu dedo às livrarias generalistas que vendem BD: FNAC, Bertrand e Bulhosa.
Para além de maltrataram a BD, não perceberem nada de BD, não quererem perceber nada de BD, escondem-na, juntam-na aos livros infantis de ilustração (e depois vemos uma criancinha de 6 anos a folhear um livro de Manara…), tem os livros de BD em más condições de acondicionamento apertando os livros na prateleira de tal maneira que lhes rebentam com as lombadas, e deixam as pessoas besuntarem completamente os livros ao levá-los para a parte de restauração para lerem enquanto comem o pequeno-almoço. Compro livros em 2ª mão em muito melhor condição que estes “novos” das livrarias generalistas!
A FNAC comete outro “crime”, esconde muita BD em português e mostra os importados de França e EUA. Lembro-me do Scott Pilgrim vol.3 em que a FNAC de Cascais tinha vários em exposição em inglês, e aqueles que estavam em português estavam dentro de uma gaveta. Isto é verdade! Aquelas gavetas que estão por baixo dos expositores estão CHEIAS de livros em português. Outros estão nas prateleiras todos misturados com os importados (em maior número) e como se isto não bastasse colocam muitas vezes os livros em francês em lugar de maior destaque que os mesmos livros traduzidos para português! Isto devia ser proibido!
Infelizmente são a maior cadeia que vende BD em Portugal, mas o trabalho que eles fazem em relação à BD portuguesa não é digno, antes pelo contrário. Nem me venham dizer que se não fossem eles não se venderia BD em português. Se calhar são quem vende mais, é certo, mas poderiam fazer muiiiito melhor o seu serviço. Uma coisa é vender, outra coisa é prestar um bom serviço à BD. A FNAC não o faz. Apenas vende a quem lá passar e por vezes em condições deploráveis de apresentação.

Relacionado com artistas. Temos bons artistas! Uns conseguiram trabalhar para fora, outros vão trabalhando cá dentro, mas infelizmente estes têm de ter outras fontes de rendimento porque a percentagem que lhes cabe da venda dos livros é insuficiente para se manterem com uma vida digna, devido às fracas tiragens e/ou vendas em Portugal.
Não vou destacar nomes porque aí teria de desenvolver um texto bem maior, o que neste momento, e para este post, é inviável. Apenas se pede que trabalhem, não deixem trabalhos a meio e os apresentem a quem possa editar. O NÃO está sempre garantido, tudo o resto é ganho!
De qualquer modo tenho de falar numa coisa que quem está de fora observa com uma certa frequência: Não é gabando trabalhos deficientes que estes se tornam bons, nem é por os amigos gabarem os nossos trabalhos que estes se tornam melhores. Eu por mim já desisti de fazer críticas (construtivas) ou apontando o que não está bem porque só me vou chatear depois, e às vezes com pessoas de quem eu até gosto. O meu repto é:
Não se gabem uns aos outros, mostrem antes o que podia ser melhorado e o que não está correcto. E não me digam que não se gabam uns aos outros, porque o Facebook e os blogues estão cheios disso…
Só vendo o que está mal para correcção futura é que se evolui.

Agora falando de divulgadores, e não vou falar de mim como é lógico (outros o façam se lhes apetecer). Não vou falar de jornalistas de BD por uma razão muito simples, não compro nem leio jornais (nem desportivos) portanto nem faço ideia se são bons artigos ou não. Vou falar do que conheço e tenho contacto diário.
Existem bastantes blogues, e cada administrador é dono do espaço que lhe é fornecido na internet para falar do que lhe apetece. Por isso não posso condenar ninguém por falar mais disto do que daquilo. São os gostos de cada um a imperar e pronto! Não fazemos negócio com os nossos blogues, somos livres de dizer barbaridades e escrever estas parvoíces, como eu neste momento.
Acho que na generalidade todos fazem um bom trabalho à sua maneira, e dentro das suas possibilidades. Os meus parabéns a todos!
Mas vou “criticar” um blogue:
O Kuentro. O seu administrador, o Jorge Machado-Dias tem algumas rubricas, e no meio delas de vez em quando opina. A minha crítica é a seguinte: porquê fazer “Recortes de Imprensa” de jornalistas que também têm blogues e fazem o mesmo neles de vez em quando. Ou seja por vezes o Kuentro tem o mesmo conteúdo do blogue do Pedro Cleto (Leituras do Pedro), e do João Lameiras (Por um Punhado de Imagens), e claro do artigo no jornal para onde estes escrevem… não sei até que ponto esta redundância dos mesmo artigos de opinião sobre algo traga uma real mais-valia. Porquê eu falo disto? Porque o Jorge Machado-Dias sabe escrever, sabe fazer críticas a livros, e tem opiniões (concorde-se com elas ou não) válidas para discussão. Mais, o Jorge Machado-Dias volta e meia diz que não se faz boa crítica a livros e diz que ele próprio vai começar a fazer, mas não faz. Por vezes quando se tocam em determinados assuntos nestes recortes diz que irá fazer um post de opinião sobre isso, mas não faz! Caramba Jorge, tu és um profissional da BD, FAZ homem! Já ninguém quer saber do “Jobat no Louletano”! Aproveita o tempo para falar de livros e escreveres as tuas crónicas de opinião!
Não entendas isto mal, isto é só para te espicaçar. Apenas acho que podias fazer muito mais e mais válido, em vez de transcreveres o que os outros escreveram.
Em relação ao Portal Central Comics. É um Portal bastante antigo sobre BD, já esteve mais activo do que neste momento, e não iria criticar o programa de assuntos e conteúdos que dão corpo ao Portal. Mas…
Mas eu tenho de falar de uma “review” recente feita neste espaço. Porque achei um mau serviço à BD portuguesa. Que praticamente não apareçam críticas a livros portugueses, isso é uma escolha do Portal e eu não tenho nada a ver com isso. Agora quando uma editora portuguesa, neste caso a ASA, fornece tudo a este Portal para eles divulgarem os seus produtos, e poderem fazer crítica se o acharem por bem, acho feio que seja feita uma “review” à edição norte-americana de Blacksad colocando um pequeno link algures a dizer que já tinham falado disto (em português). Não não falaram! Apenas fizeram a divulgação com a nota de imprensa e imagens fornecidas pela ASA, a qual foi fornecida a toda gente que divulga BD. Achei feio. Isto não é defender a BD que se edita em português e em Portugal.


Agora podem pegar nas “shotguns” e fazer fogo em cima de mim à vontade!
Sangrar prova que estamos vivos!
:D

Boas leituras

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