terça-feira, 26 de maio de 2015

Vertigo: Pré-Vertigo Parte 4
A história que antecede o selo: 1989




O ano de 1989 foi bastante fértil no que diz respeito às sementes da Vertigo. Com capa de Janeiro, foi lançada uma nova série que rapidamente se tornaria o ex libris da linha de revistas mais adultas da DC, e fixando o terror e fantasia gótica como géneros preferenciais dessa linha. Recrutando um jornalista completamente desconhecido chamado Neil Gaiman, a editora Karen Berger permitiu-lhe escrever duas personagens obscuras e, à altura, esquecidas.

A primeira foi Black Orchid. A Orquídea Negra era um heroína com poderes, pouco conhecida, que tinha aparecido brevemente em antologias. Gaiman resolveu ligá-la a outros heróis com temas relacionados com vegetais, como o Monstro do Pântano, escrevendo a sua origem definitiva, mas a história era bem mais intimista graças à arte pintada de Dave McKean. Editada numa mini-série de três edições em formato prestige, a primeira edição ainda surgiu com a data de 1988, mas como a DC estava em processo de revisão das datas de publicação mostradas na capa, saiu ao mesmo tempo que as primeiras revistas com capa de 1989. A encadernação de Black Orchid já teve lugar na Vertigo, seguindo-se uma nova série mensal em 1993, mas já sem Gaiman.

Praticamente ao mesmo tempo, Gaiman também lançou uma nova série mensal com o título Sandman. Embora ostensivamente inspirado tanto no personagem dos anos 40 (Wesley Dodds) criado por Gardner Fox como no super-herói do anos 70 (Garrett Sanford) de Joe Simon e Jack Kirby, o Sandman de Gaiman é a personificação do conceito de sonho. Durante os 75 números da série, acabou por se tornar uma das mais premiadas e prestigiadas séries de banda desenhada de sempre, com a escrita mais desenvolvida e mais inovadora nas editoras grandes. Apesar do uso de sombras, do ambiente gótico e de um personagem principal baseado visualmente no cantor Robert Smith, a história de Sandman não era nada pessimista, antes pelo contrário, até porque as várias personagens (desde a personificação da Morte a Lucifer, um dos três senhores do Inferno), sejam principais ou secundárias, têm todas personalidades bem magnéticas. A Morte, Lucifer e os Dead Boy Detectives, personagens lançados nesta série, tiveram direito a séries no futuro, e Gaiman também soube repescar alguns conceitos anteriores, incluindo Caim e Abel (os apresentadores das revistas antológicas dos anos 70, House of Mystery e House of Secrets) e Matthew Cable, ex-marido de Abigail Holland (esposa do Monstro do Pântano), agora transformado num corvo.

Em Fevereiro, foi a vez de Grant Morrison receber mais um título. A partir do número 19, o escritor escocês foi nomeado para a revista Doom Patrol, que também passou para a linha de material mais adulto, e deixou completamente de lado as histórias de super-heróis que eram comuns anteriormente. Em vez disso, Morrison pegou no lado mais estranho das histórias originais dos anos 60 (a Patrulha do Destino era composta por heróis com falhas óbvias, como o Robotman, a Mulher Elástica ou o líder deficiente físico, Niles Caulder), avançando numa direcção mais psicadélica, com novos membros ainda mais estranhos, e uma equipa de vilões, a Irmandade de Dada, que representava a inspiração cultural usada nestas histórias, onde o nonsense era normal e o invulgar tratado como lugar-comum. Morrison continuou no título até ao número 63, precisamente um mês antes da entrada na Vertigo, mas Rachel Pollack manteve o mesmo espírito até ao cancelamento da revista, no número 87.

Em Março foi a vez de se iniciar a nova-série do herói aviador Blackhawk (Falcão Negro). No entanto, agora o título Blackhawk referia-se a uma equipa de aviadores, com as histórias a continuarem no seguimento da mini-série de Howard Chaykin e de um segmento regular na antologia Action Comics Weekly. Martin Pasko escreveu a maior parte das histórias, com Rick Burchett como artista regular. As histórias lidaram regularmente com o clima paranóico anti-comunista do pós-Segunda Guerra, espionagem e ciência proibida, mas sempre integrado num ritmo constante de acção e aventura, o que não afastou o título da etiqueta para adultos, mesmo com uma arte que por vezes se podia considerar mais apropriada para a caricatura humorística do que para a violência da série. Blackhawk teve direito a 16 números e um anual.

Quem tinha etiqueta para adultos era a mini-série Skreemer, de Peter Milligan e Brett Ewins, com seis números publicados a partir de Maio. Com uma premissa original, Skreemer segue a ascensão ao poder do mafioso Veto Skreemer, num mundo pós-apocalíptico onde  há espaço para o horror, mas num ambiente de história de crime, já que o poder formal está concentrado nas mãos do crime organizado e o território é activamente disputado por gangues armadas. No entanto, o próprio Skreemer acaba a lutar para manter o seu degradante império. Skreemer foi integrado na Vertigo quando um encadernado foi finalmente publicado em 2002.

Os heróis pulp da Street & Smith regressaram à DC em 1989, com a publicação de uma nova série do Sombra em Setembro. Depois do mal recebido ciborgue da era moderna, as histórias voltaram ao ambiente normal dos anos 30 no título The Shadow Strikes, com Gerard Jones a escrever a maior parte das histórias, tendo Eduardo Barreto e Rod Whigham sido os artistas regulares. A revista durou até 1992, com 31 números e um anual, replicando fielmente o ambiente das histórias originais do Sombra, mas com alguma influência da linha mais adulta da DC. Antes disso, em Julho, a DC lançou uma mini-série de dois números em formato prestige do título Justice Inc., por Andy Helfer e Kyle Baker, com o detective Richard Benson (que aparecia nas histórias pulps como The Avenger) a ver-se envolvido numa conspiração que envolve a CIA.

No final do ano, a DC trouxe de volta ao activo Desafiador (Deadman). Apesar de visualmente interessante, graças à sua aparência criada por Carmine Infantino, a personagem, cujo verdadeiro nome é Boston Brand, sempre teve histórias formulaicas, em que a sua situação como um fantasma controlado pela deusa Rama Kushna o colocava no papel compulsivo de possuir o corpo de pessoas vivas com o intuito de resolver crimes. No entanto, em Deadman: Love after Death, uma mini-série de dois números em prestige format escrita por Mike Baron e desenhada por Kelley Jones, Brand finalmente dedica tempo a si próprio e às suas necessidades. Jones também modificou a aparência do Deadman para ficar mais parecido com um esqueleto. Esta história nunca foi reimpressa na Vertigo, mas colocou-o no limiar da linha adulta.

Este ano também viu Jim Starlin regressar às sagas cósmicas, não na sua antiga casa, a Marvel, mas na rival DC. Starlin tinha ido para lá para matar Robin nas páginas do Batman, mas teve a oportunidade de criar um novo épico, Gilgamesh II. De início, a história parece lembrar a do Superhomem, com um alienígena enviado para a Terra vindo de um planeta destruído. Na verdade, o alienígena não parece tão humano como Kal-El e acaba por usar as suas capacidades físicas e intelectuais para chegar ao topo do regime corporativista que domina o planeta. É nessa fase que Gilgamesh Bonner, como foi baptizado, descobre que há outro igual a ele, Otto, e a partir daqui a história segue a estrutura do épico de Gilgamesh, com Otto a fazer o papel de Enkidu, excepto no final, que vê Gilgamesh sacrificar-se no submundo (um rasgo na realidade) em vez de salvar Otto. Gilgamesh II nunca foi reimpresso em inglês, das poucas obras de Starlin nessa condição.

Mais uma vez, e também no fim do ano, Batman voltou a aproximar-se da linha adulta com a graphic novel Arkham Asylum, escrita por Grant Morrison e pintada por Dave McKean. O estilo irreal coaduna-se bem com a história, passada no asilo de criminosos de Gotham City, onde Batman deve enfrentar todos os seus inimigos. Além desta história, a linha Batman ganhou algumas adições onde se podiam contar histórias fora da continuidade geral, nomeadamente a antologia Legends of the Dark Knight, lançada em Novembro, e o que se passou a considerar o primeiro livro da linha Elseworlds, Batman: Gotham by Gaslight.

Finalmente, 1989 foi também o ano de lançamento de uma nova linha de livros, de autores independentes, e com uma tendência mais experimentalista, denominada Piranha Press, cujas edições não tinham qualquer logótipo da DC na capa. As primeiras edições foram a graphic novel The Sinners, the Alec Stevens, a série antológica Beautiful Stories for Ugly Children, de Dave Louapre e Dan Sweetman, Etc., de Tim Conrad e Michael Davis, e Gregory, de Marc Hempel. Algum material da Piranha Press, nomeadamente Epicurus the Sage, de William Messner-Loebs e Sam Kieth, e Why I Hate Saturn, uma graphic novel de Kyle Baker, acabaram por ser republicados na Vertigo, anos depois. A Piranha Press continuou a editar até 1994, quando deu o seu lugar à semelhante Paradox Press.







Conheça ou recorde as partes anteriores:
Parte 3: Vertigo Pré-Vertigo: A história que antecede o selo: 1988
Parte 2: Vertigo Pré-Vertigo: A história que antecede o selo: 1986-1987
Parte 1: Vertigo Pré-Vertigo: A história que antecede o selo: 1982-1985

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