O que o envelhecimento tem de pior não é a doença.
O pior é a indiferença.
Um belo dia dás-te conta que a realidade venceu o jogo.
Um jogo que nem sabias que estavas a jogar.
E tu ficas impassível como uma árvore que o Outono abandona despida no meio do bosque.
Mas como as boas árvores, vivemos alheados desta ironia.
- Por Aniceto in "Como Viaja a Água"
A editora Arte de Autor lançou este mês o seu 3º livro. Depois de "Caravaggio: O Pincel e a Espada" de Milo Manara (apresentado por mim no Museu Lisboa - Palácio Pimenta) e "Eu, Assassino" de António Altarriba e Keko, eis "Como Viaja a Água" de Juan Díaz Canales.
Só me resta já de início frisar o bom gosto que esta nova editora possui. As poucas obras publicadas reflectem-no.
Juan Díaz Caneles é conhecido mundialmente por ser o argumentista da série Blacksad, com Juanjo Guarnido no desenho, é também argumentista de Fraternity com Munuera, Corto Maltese (nova série) com Pellejero e Les Patriciens com Gabor.
Ganhou prémios. Muitos prémios!
- 2000: Prémio Melhor Primeiro Álbum Lys-lez-Lannoy (festival)
- 2000: Prémio Especial em Rœulx (festival)
- 2000: Prémio Némo em Maisons-Laffitte (festival)
- 2000: Prémio Descoberta em Sierre International Comics Festival
- 2001: Best Artwork Award no Festival de Chambéry
- 2002: Best Artwork Award no Grand Prix Albert Uderzo
- 2003: Prémio Especial do Júri no Sierre International Comics Festival
- 2004: Angoulême Audience Award, para Arctic-Nation
- 2004: Angoulême Best Artwork Award, para Arctic-Nation
- 2004: Prémio Virgin para o Melhor Álbum, com Arctic-Nation
- 2006: Angoulême Best Series Award, para a série Blacksad
- 2006: Bédéis Causa - Prémio Maurice Petitdier para o Best Foreign Comic no Festival da BD Francophone de Québec com Blacksad
- 2014: Premio Nacional del Cómic (Espanha)

Fazendo um pequeno aparte... tenho de notar que em três livros de três espanhóis publicados em português nos últimos três anos, existe um tema redundante trabalhado com mestria: a chamada 3ª idade. Tenho de concluir que os espanhóis se andam a preocupar com o problema do envelhecimento ou o ocaso da vida. Ainda por cima três excelentes livros: Rugas de Paco Roca, A Arte de Voar de António Altarriba e este Como Viaja a Água de Canales...
Como Viaja a Água tem o seu quinhão social, a sua parte criminal e uma fatia enorme do que é o sentido da vida. Qual é o sentido da vida para uma pessoa, ou para um grupo de amigos que sobreviveram a uma guerra sangrenta na sua juventude, que viveram vidas cheias de acontecimentos?
Um grupo que guarda um segredo... e esse segredo é mesmo sobre o final da vida. São um grupo de ateus, comunistas e octogenários, não têm muito com que encher as suas vidas, então dedicam-se ao contrabando para lhes dar um pequeno rush nesta fase da vida e poderem com os dividendos da actividade ilícita jogar entre eles um pouco de póquer. Mas começam os crimes... o grupo cada vez é mais pequeno devido aos assassinatos!
Um retrato muito cru sobre uma época actual de crise social e bancária, contado pungentemente pela caneta e pelo pincel de Juan Díaz Canales.
Uma metáfora que é contada através da água, e de como se pode perder a razão e a vontade de viver por falta esperança no nosso legado apenas por pensar na vida num dia em que se estava a fazer a barba e olhar para o espelho.
O segredo deles já o conheço há bastante tempo (sou ateu), e o meu segredo está em aceitar todos os minutos de vida até ao final, até ao último minuto, e não pensar na "viagem da água", ou o que essa metáfora implica nesta maravilhosa histórias de Canales. Este último parágrafo já é divagação minha... já sou eu a pensar no sentido da vida ao chegar à minha velhice...
Penso que é um livro que se dá a bastantes interpretações, conforme a disposição para vida de cada leitor, ou das suas convicções sobre a vida (ou não) depois da morte. O tempo que demoramos a desaparecer, maior ou menor, depende daquilo que fizemos em vida. Vivemos pelo legado e pela memória. Podemos "viver"poucos anos depois da morte, ou podemos viver séculos. Depende da nossa "vida" como protagonistas activos e principais. A nossa "vida" pós-morte não é um grande "nada".
Por vezes um livro que se apresenta simples, de contornos sociais e criminais, pode apresentar-se bastante complexo. Foi o que me aconteceu. E nem sequer sei se estou a analisar bem todo o conceito apresentado pelo escritor. Estou a fazer a "minha leitura"
Comprem e façam a vossa leitura. O LBD recomenda este livro.
Tenho estado um pouco fora do circuito da BD, por decisão própria, e agora que tenho voltado aos poucos vejo que está tudo na mesma relativamente a críticas de BD... a única coisa que se vê são centenas de divulgações de livros ou revistas de BD a sair, ou críticas incapazes de dar uma opinião sincera. Eu estava a cair na mesma armadilha, quase não fazendo crítica ou artigos sobre BD, e essa foi apenas uma de algumas coisas que me fizeram "passar férias" do blogue, não da BD porque tenho continuado a ler e a comprar.
Irei fazer divulgação de livros a sair sim, mas não exaustivamente. Quero fazer aquilo que mais falta faz neste momento à BD: artigos e opiniões. Deixo a divulgação exaustiva a quem a já faz, não vou dar aos leitores do LBD "mais do mesmo" que já saiu num monte de blogues e sites.
:)
Boas leituras
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