quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Lançamento Kingpin: Super Pig - O Impaciente Inglês (com mini-entrevista)


O livro chama-se o "Impaciente Inglês". Mas decididamente acho que o argumentista Mário Freitas está mais que impaciente pela saída oficial do livro!
Por vários motivos, claro... para além de argumentista, foi o legendador e fez o design da publicação.

Por esses motivos, e outros, nada como apresentar aqui em 1ª mão e em exclusivo, o prefácio. Este prefácio é o mais visceral que li até hoje. Mário Freitas tornou-o completamente pessoal e emotivo!
Não é muito normal eu apresentar aqui prefácios, mas este tem uma força que vem de dentro, tal é o comprometimento deste autor com o seu livro. Vale a pena quando assim é!

Apresento também uma mini-entrevista ao desenhador André Pereira e ao colorista Bernardo Majer. Sabendo o que o Super Pig representa para o Mário Freitas, foi de uma grande coragem "contratar" estes dois jovens, um de 26 anos outro de 23, para este livro.

Fiquem então com o texto de Mário Freitas e com a mini-entrevista aos dois artistas. As perguntas são exactamente iguais para os dois.

Prefácio do Autor

Não sou um português paciente.

Reza a lenda que estive quase a nascer no carro, tal a pressa de vir ao mundo, não fosse a louca correria do Comandante José de Freitas pelas ruas de Lisboa, sem particular respeito pelos sinais, luminosos ou outros. Felizmente, era de madrugada; e estávamos em 1972.

Perante este meu traço marcante de carácter, parece assim um paradoxo que a história que estão a prestes a ler tenha germinado na minha mente no já longínquo ano de 2006, provavelmente o mais difícil e conturbado da minha vida. Paradoxalmente também, ou talvez não, esse período coincidiu com um dos meus períodos criativos mais férteis, como se as agruras e incertezas da realidade me forçassem a sitiar num local recheado de ideias e potencialidades infinitas. Foi num desses escapes criativos que aquilo que começou como um simples trocadilho seco explodiu subitamente em várias direcções. As ideias fervilharam; os actores históricos perfilaram-se numa concorrida audição, exigindo presença destacada na teia que se desenrolava à minha frente. Obrigaram-me a pesquisá-los; a investigá-los. Fui forçado a escolher os mais marcantes, os mais carismáticos, os que mais persistiram no meu cérebro, tornando-os peças imprescindíveis na galeria de personagens do livro.

E que surpresas encontrei; que incríveis coincidências e bizarrias históricas me foram sendo servidas de bandeja e se encaixando na perfeição na trama secular que ia urdindo. De facto, nada consegue ser tão bizarro quanto a própria realidade: as alegadas conjurações e conversas de John Dee com o arcanjo proscrito Uriel; John Milton, totalmente cego, a ditar à sua filha trechos inteiros do seu poema épico «Paraíso Perdido»; os longos 24 anos que mediaram o início das pesquisas de Darwin nas Galápagos e a publicação de “A Origem das Espécies”; e, talvez o mais bizarro de todos os episódios reais, a fama inusitada que a dentadura de Churchill ganhou, antes e depois da sua morte, ao ponto de ser alcunhada de “a dentadura que ganhou a guerra” (e não é todos os dias que uma dentadura, ou parte dela, é leiloada pela módica quantia de 15.000 Libras Inglesas). Toda esta teia de particularidades históricas clamava por algo maior; ou por um fio condutor ainda mais bizarro...

Em última instância, a paciência, por vezes, é mesmo boa conselheira: o Mário Freitas argumentista de 2006-2008 não tinha ainda a maturidade e a experiência para lidar com um leque tão vasto e arrojado de ideias, e transformá--las numa verdadeira história. Além do mais, ainda não havia AniComics; e, sem AniComics, não haveria o André e o Bernardo, fundamentais pela qualidade e dedicação que emprestaram ao livro. 90 páginas de BD em 14 meses não são para qualquer um no panorama nacional. Hoje em dia, acredito que consigo conferir à minha escrita a subtileza humana imprescindível a uma saga desta natureza e que evite a queda fácil nos clichés narrativos clássicos dos múltiplos Códigos DaVinci deste mundo. Bendito seja Borges pelos conselhos inestimáveis sobre a paternidade e a abominação que representa. O cariz emocional deste livro passa muito por aí.

Noutro ponto, um dos maiores riscos que assumi neste livro foi a adopção de duas línguas distintas, consoante as personagens e as situações ocorridas. Debati-me com isso, acreditem; ponderei bastante. A minha ideia inicial era fazer o livro todo em Português, como é “normal”, como é a “regra”, afinal de contas. A dúvida assaltou-me quando comecei a escrever os diálogos das personagens históricas (Churchill, na circunstância) e senti uma dificuldade enorme em “entrar” nelas, fora da sua língua materna. Tudo o que o “Velho Bulldog” me assoprava ao ouvido e me impelia a reproduzir estava em Inglês e só assim a voz da personagem me soava verdadeira e verosímil. Com Oscar Wilde não foi diferente; dei por mim a imaginar a brilhante interpretação que Stephen Fry fez do dramaturgo irlandês a ser dobrada pelo Pedro Granger. Como castigo, senti a minha alma a ser arrastada para o paraíso perdido que John Milton idealizou. O velho puritano podia ser cego e já estar morto há perto de 350 anos; mas jamais foi surdo e a sua alma ainda hoje zela pela integridade artística dos seus pares. Dito isto, selei a minha decisão e comecei a escrever directamente em Inglês todos os diálogos das personagens históricas, assim como as narrações da personagem mais bizarra que a minha imaginação já concebeu (e não me refiro a Lorde Kent Waite...).


Perguntam-me se não receio que vá perder com isto uma fatia considerável de potenciais leitores, e a minha resposta é um não rotundo. Vivemos em tempos bilingues, em que cada vez mais os jovens adoptaram o Inglês como segunda língua, desde tenra idade. Na minha actividade livreira, não é incomum receber grupos de clientes que falam várias vezes Inglês entre si, just because, alternando-o com o Português materno, sem qualquer estranheza ou aparente dificuldade. E este é um livro de contrastes; de paralelismos; e a coexistência das duas línguas contribuirá, e muito, para o enriquecimento da experiência de leitura e para imergir ainda mais o leitor na história.

E por falar em história, sinto crescer em vós uma certa impaciência para começarem a lê-la, pelo que chegou o momento de me despedir. Pela minha parte, tenho muita curiosidade em saber a vossa reacção. Confesso até que estou impaciente por isso.

Mário M Freitas
Outubro de 2013




Entrevista a André Pereira (AP) e Bernardo Majer (BM)


Podes contar aos leitores deste blogue algo sobre o teu percurso na Banda Desenhada até chegares a este livro?

AP - Em termos de trabalho exposto, limitou-se a participações no Amadora BD; concorri pela primeira vez em 2006 e consegui o primeiro prémio do júri para o escalão A. A partir daí contribuí todos os anos com trabalhos novos até 2012. Pelo caminho consegui outro primeiro lugar (2010), um terceiro lugar (2008) e duas menções honrosas (2007 e 2012).
Fora isso, e imediatamente antes de ter sido convidado a participar no Super Pig, tinha começado a preparar um zine com o João Machado que acabámos por lançar pouco mais tarde, na Feira Laica de Verão de 2012; esse zine, o Enjoo de Invocação, foi entretanto relançado sob a chancela Clube do Inferno, a editora que, juntamento com outros dois amigos, fundámos no final do ano.
E houve ainda o primeiro contacto com o Rudolfo, que comecei a seguir no Tumblr por volta dessa altura também e que, depois de visitar a minha página, me convidou a participar no Lodaçal Comix que também iria sair nessa Feira Laica.

BM - O meu percurso na bd é relativamente curto - sendo que sempre tive o hábito de desenhar, comecei a fazer as primeiras experiências mais sérias em banda desenhada em 2011, com a ideia de que poderia fazer uma webcomic. Percebendo que ainda estava muito verde, passei o ano de 2012 a entrar em concursos, primeiro o Anicomics, depois o Portusaki e por fim o Amadora Bd, ganhando o primeiro lugar em todos. Certamente com alguma sorte, mas foi um excelente incentivo para tentar fazer alguma coisa mais séria.

Como surgiu esta oportunidade de desenhar este livro?

AP - Através do concurso do Anicomics de 2012: na altura já estava a desenhar o Enjoo e andava a tentar formar um portefólio de ilustração/BD para enviar a editoras, ver o que acontecia. O concurso do Anicomics era uma oportunidade como qualquer outra e a Kingpin, a editora por trás do festival, já tinha lançado trabalhos sérios e consistentes. Mandei o barro à parede e, apesar de não ter ganho nada no concurso, acabei por ser contactado pelo Mário para trabalhar com ele.

BM - Conheci o Mário Freitas devido ao concurso do Anicomics, na altura ele apesar de gostar da BD, achou que a Cor era ainda um dos meus pontos fracos. Só depois do concurso Portusaki, e de ele ter visto aquilo que eu tinha feito no facebook, é que me convidou para fazer o Super Pig com ele e com o André.

Quais foram as tuas principais dificuldades neste projecto?

AP - Acertar com as expressões do Pig, numa fase inicial. Tinha tendência a desenhar o que parecia ser uma pessoa deformada e não um porco airoso nas primeiras páginas, mas foi imediatamente corrigido.
Mas a dificuldade que se manteve constante até terminar o livro foi o processo de inking. Não foi fácil encontrar um registo de finalização que desse profundidade ao traço, mas para o final lá comecei a encontrar uma forma de o fazer que me agradasse minimamente.
Também foi a primeira vez que trabalhei com outra pessoa encarregue de colorir os meus desenhos; acho que no início não tomei isso em grande consideração, mas a partir do momento em que vi as primeiras páginas coloridas comecei a trabalhar com a colaboração em mente.

BM - Iniciais muitas. Foi realmente um período em que as aprendizagens foram imensas, é o que acontece quando encontras um desafio que está mesmo acima das tuas capacidades. Eu não estava a conseguir fazer nada. Mas com muitas primeiras páginas, lá foi ao sítio. Depois, nunca tinha colorido algo que não tivesse sido eu a desenhar, o que foi outro problema. O meu estilo de desenho é muito diferente do do André. Mas fui-me habituando, até se tornar quase automático.

Como é trabalhar com o Mário Freitas?

AP - É fácil. Ele deu-me desde logo bastante liberdade na concepção dos layouts e em grande parte dos enquadramentos. Nos momentos em que era preciso representar uma cena de forma mais detalhada, essas especificações vinham no guião.
Não me lembro de ter acontecido muitas vezes, mas quando algo não estava como ele queria, isso era discutido logo na fase dos lápis e trabalhava-se à volta o desenho nessa altura para que ficasse tudo em condições.
Fora isso, o Mário reconhecia sempre o esforço quando as páginas lhe agradavam particularmente e comunicava-o de forma igualmente clara.

BM - É confortante. Sendo eu muito novo nestas andanças, sei que o Mário consegue prever como é que o produto vai resultar. O projecto é dele, nesse aspecto sou um colorista e não um autor, o que realmente alivia imensamente a minha parte. Mas foi sempre uma relação de trabalho que correu muito bem, sem existirem verdadeiros altos e baixos. E apesar de por vezes ser chato ter de refazer páginas quando ele dizia que algo não estava bem, que o chão não devia ter aquele tom ou qualquer coisa do género, a página acabava por ficar sempre melhor. Pagaria a alguém para me fazer isso nas minhas bds todas.

Trabalhaste de que forma neste Super Pig, tradicional ou digital?

AP - Trabalho sempre em papel, tanto os lápis como as tintas. Da minha parte, o computador só serviu para corrigir alguns erros.

BM - Photoshop sempre.

Gostaste do resultado final do livro?

AP - Só lhe vou pegar pela primeira vez amanhã, mas pelo que pude ver do PDF, acho que a coisa ficou sólida. Acho que vou gostar.

BM - Gostei muito. Ainda não tive o produto final nas minhas mãos, mas fiquei contente com as páginas como as vi.

E para o futuro, já tens projectos?

AP - Sim. O Clube do Inferno vai continuar vivo e já temos vários projectos na calha para a Feira Morta de Dezembro; da minha parte, podem contar com uma história de 20 páginas que se vai chamar Safe Place. Já há esboços pela internet fora, mas não vou adiantar muito mais detalhes para já.
Também estou a colaborar com 3 talentosos mancebos (o Afonso Ferreira, o Zé Burnay e o Rudolfo) na criação de um livro que, se tudo correr bem, sairá ainda este ano, lá para o Natal. Não vou adiantar muito sobre este projecto, mas posso dizer que já temos editora para o pôr cá fora.
Fora isso, continuarei a fazer uns biscates esporádicos em ilustração e arquitectura, para ganhar algum. E tenho sempre o meu emprego diário, que ainda me exige 8h por dia.

BM - Coisas ainda muito no início, sem nada que interesse para contar.

Queres deixar alguma mensagem aos leitores deste blogue?

AP - Que continuem a gostar de BD e a apoiar a produção nacional, talvez; continuem a visitar os grandes festivais como o Amadora BD e o Anicomics, mas dêem também um salto a eventos mais reduzidos, como a Feira Morta, onde há um contacto mais directo com os novos artistas que estão a aparecer. Têm aparecido coisas bem giras por lá e algumas destas pessoas começam já a dar o salto para carreiras internacionais promissoras, mas que estão a passar um bocado despercebidas por cá (o Rudolfo, por exemplo, acabou de lançar o primeiro número no Negative Dad, que foi escrito pelo Nathan Williams, dos Wavves).

BM - Acho que não. Comprem a bd se quiserem, se acharem gira.

Obrigado André e Bernardo!
:)

Não se esqueçam, o livro será lançado este Sábado durante o festival de Banda Desenhada Amadora BD!

O André mandou estes links de projectos a que de algum modo está ligado:


Boas leituras

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