Esta coisa da Marvel refazer as suas propriedades intelectuais para as tornar fáceis de adaptar para cinema e televisão é complicada. Principalmente quando os direitos para fazer novos filmes ou séries pertencem a outra empresa, como a FOX. Isso até foi pelo melhor. Se a Marvel não tivesse ido à falência, nunca teria havido sequer um filme dos Vingadores, quanto mais dos Guardiões da Galáxia ou do Homem-Formiga. E não teríamos uma série de televisão da SHIELD com os Inumanos como convidados especiais.
Nesse caso, teria sido tudo X. Nos anos 90, bastava pôr um X
na capa de uma revista ou dizer que personagem tal era um mutante, e as
revistas esgotavam mais depressa que chamuças quentinhas numa pastelaria à hora
de almoço. Por outro lado, se pusessem os Inumanos em destaque, ia parecer
aqueles três crepes de queijo e espinafre que ficam até ao fim do dia e ninguém
quer comer.
Os Inumanos são um daqueles produtos da mente inventiva de
Jack Kirby que os escritores da Marvel adoravam ter nas suas histórias, mas aos
quais o público não correspondia. Durante 50 anos, passaram por várias fases e
foram reinventados ao de leve, numa tentativa de lhes dar mais profundidade e
protagonismo, mas sempre sem fugir muito do pré-estabelecido. Por isso, é
estranho ver que a Marvel tem usado alguns dos eventos dos últimos anos para
colocar os Inumanos em posição de destaque, espalhando-os pelo mundo e fazendo
o papel de mutantes, que não estão disponíveis para os estúdios da Marvel
Films.
Basicamente, quando se fala em Inumanos fala-se no grupo que
constitui a família real, os personagens criados por Kirby: Raio Negro e a sua
esposa Medusa, os primos de Raio Negro, o guerreiro Gorgon e o estratega Karnak,
o aquático Triton (o membro mais calado da família e irmão de Karnak), e
Crystal, a irmã mais nova de Medusa, cheia de bichos-carpinteiros e com vontade
constante de sair de Attilan, a cidade escondida. Durante vários anos, as
histórias geralmente envolviam um membro da família real a endoidecer, ou Maximus,
irmão de Raio Negro, a tentar fazer um golpe de estado; ou a probabilidade de
alguém descobrir a localização do Grande Refúgio onde os Inumanos estavam
escondidos.
A existência isolada da sociedade Inumana era um conceito
omnipresente na história. O número exacto da população de Attilan é variável,
embora já tenha sido apontado como 1250. Ao que parece, e isto foi mencionado na
graphic novel de Ann Nocenti de Bret Blevins e na mini-série de Paul Jenkins e
Jae Lee, cada cidadão deve obrigatoriamente passar pelas Névoas Terrígenas e
cada poder individual é necessário para a estabilidade da sociedade. O que
explica a razão porque os Inumanos entram em parafuso cada vez que Medusa ou
Crystal saem de Attilan. Raio Negro também tem medo da população humana, desde
a II Guerra Mundial, algo que foi mostrado numa série de histórias curtas
publicadas em What If?, que contavam as origens dos Eternos e dos Inumanos,
tendo o grupo imortal de Olympia ajudado no transporte de Attilan do Mar do
Norte para os Himalaias.
Mas e agora? Agora, de repente, a população de Inumanos é de
milhões. E muitos deles não conhecem as suas origens, nem foram expostos às
Névoas Terrígenas. De repente, no evento "Inhumanity", idealizado por Matt
Fraction em 2013, as necessidades específicas de uma sociedade endogâmica já
não interessam, as Névoas já não têm que ser protegidas a todo o custo, e
Attilan já não tem que ficar escondida. E assim, em vez de existirem milhões de
mutantes no Universo Marvel, passam a existir milhões de Inumanos, como a nova
Miss Marvel. Mesmo a tempo de introduzir o conceito na televisão e depois poder
fazer um filme para estrear em 2019.
Para falar a verdade, Matt Fraction não inventou esta
história da sua cabeça. Existiam sementes que começaram a ser plantadas nos
anos 90, que permitiram aos Inumanos mudar completamente de estratégia. Tudo
começou com o crossover "Atlantis Rising", que envolveu Adam Warlock e o Quarteto
Fantástico, onde a Atlântida emergiu do Oceano Atlântico para a superfície.
Raio Negro transportou Attilan mais uma vez para lá, declarando-se soberano do
novo território. Seguiu-se a mini-série da Marvel Knights em 1998, por Jenkins
e Lee, que viu Medusa representar Attilan nas Nações Unidas e Raio Negro
defender activamente a integridade da sua nação. E depois, os Kree retornaram
após milhares de anos para tomar controlo dos Inumanos, que tinham criado como
uma raça de escravos, na mini-série de 2001, por Carlos Pacheco e José Ladronn,
que abriu caminho para os Inumanos tomarem controlo da sociedade Kree na
mini-série War of Kings.
Se a Marvel conseguiu fazer com que personagens tão obscuros
como Groot e Rocket Racoon se tornassem estrelas mundiais graças aos filmes,
deverá conseguir fazer o mesmo com os Inumanos. Ainda que tudo o que eles façam
agora seja demasiado familiar, parecido com os X-Men. É o momento ideal para os
súbditos de Raio Negro se afirmarem.
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