A propósito do Fórum Fantástico, estivemos com o escritor Mike Carey, que os nossos leitores já devem conhecer por ter estado na DC/Vertigo como escritor de Lucifer e da adaptação de Neverwhere, e na Marvel em X-Men: Legacy e Ultimate Fantastic Four. Apresentamos aqui o vídeo da entrevista, bem como a tradução integral abaixo.
O que vocês poderão não saber é que o Mike tem estado, nos últimos tempos, a escrever prosa, e era disso que eu queria falar já, para os fãs de banda desenhada que não tem paciência para livros sem imagens. A primeira coisa que fez foi a série Castor Felix, com um exorcista. E tendo em conta a sua origem na BD, criou um personagem para uma série. Hoje em dia há muitos escritores que querem escrever trilogias para serem adaptadas para filmes. Quando Castor Felix foi criada, a ideia é que ia ser uma série contínua, estava a pensar em adaptações para outros meios?
Não estava a pensar em adaptações, mas queria que fosse um veículo para uma sequência de histórias. Tinha ideias ambiciosas onde queria levar a série. A minha proposta era um personagem que é um exorcista ao estilo de Raymond Chandler, um personagem que existe num mundo sobrenatural, é um pouco mais como um detective privado, que anda pelas ruas menos recomendáveis, e que faz o seu trabalho pelo dinheiro, que não é muito. É o arquétipo do homem de gabardina, mas num mundo onde os mortos estão a levantar-se, e onde as capacidades dele são mais lidar com os mortos e bani-los, prender demónios e fantasmas em vez de resolver crimes, mas ele acaba por resolver crimes na mesma. Eu propus fazer três romances, mas sempre tive na ideia que podia haver uma sequência de seis ou sete até haver uma grande revelação sobre porque é que isto estava a acontecer nesta fase da história humana.
Este parece ser uma visão muito proletário de um exorcista, ele parece estar muito envolvido no trabalho dele. Quando este tipo de personagens se envolve no sobrenatural, é uma ocorrência natural diária para eles, como ir às compras?
Acho que é parte do apelo da série, é um mundo em que isso passou a ser normal. A partir do segundo livro… no primeiro livro eu estava a ter muito cuidado com a investigação pela solução do crime, e não deu para ver muito do mundo à volta. Mas no segundo livro já comecei a perguntar como teria mudado esta sociedade, que tipo de infra-estrutura teria que ser criada se os mortos estivessem sempre connosco noutras formas, não só fantasmas mas também zombies e outras criaturas estranhas. Como é que a sociedade teria mudado. Apareceram coisas, por exemplo, criei uma personagem chamada Criadora de Gelo, que basicamente ganhava a vida a fazer curas espirituais para zombies. Ela baixava a temperatura deles para que eles durassem mais tempo antes de se deteriorarem. As pessoas começaram a ganhar a vida como se estivesse no Walking Dead. Podemos acomodarmo-nos a qualquer coisa, as pessoas são muito resilientes. Se houver um apocalipse, no dia seguinte vamos tentar descobrir como ganhar dinheiro.
Depois disso, escreveu dois romances com a sua família, a sua mulher e a sua filha, “The City of Silk and Steel” e “The House of War and Witness”. Foi muito fácil trabalhar criativamente com a sua família, houve muitas discussões sobre quem contribuía o quê para a história?
Não é fácil, mas vale muito a pena, foi muito recompensador. A colaboração dura o dobro ou o triplo do tempo do que pensarmos sozinhos em tudo, porque a essência da colaboração é a comunicação. Por isso, por muito tempo, só nos encontrávamos e falávamos, falávamos muito. Tínhamos refeições muito longas de take-away de comida chinesa, havia um perto da nossa casa. E falávamos e comíamos e tirávamos notas. E na semana seguinte fazíamos o mesmo e tirávamos mais notas. Passou um ano e meio antes de começarmos a escrever qualquer palavra no papel. Mas a recompensa é encontrarmos uma voz que funciona bem para todos, neste caso nós os três. Temos que sair da nossa zona de conforto, experimentar coisas de uma maneira diferente, e encontrámos uma voz satisfatória. Quando terminámos, eu estava num lugar diferente, tomei conhecimento de coisas que fazia sem pensar, e o meu estilo evoluiu durante esse tempo. E sim, discutimos. Discutimos muito, mas ninguém se matou.
A história passa-se num contexto histórico, quando as suas histórias geralmente passam-se no presente.
O segundo livro passa-se num contexto histórico, que é a Guerra da Sucessão Austríaca. O segundo é um contexto histórico fictício, que se passa num passado oculto da antiguidade no Médio Oriente, mas não é um Médio Oriente completamente realista. É como se fosse o mundo das 1001 Noites. Reconhece a realidade histórica, mas não está completamente subjugado a ela num tempo específico.
No seu livro mais recente, “The Girl with all the Gifts”, que foi adaptado para um filme, quando esteve envolvido na produção, foi fácil transmitir os conceitos básicos do romance para outro meio, considerando que já está habituado a trabalhar num meio visual?
De certo modo, foi mais difícil, porque um roteiro para banda desenhada e um meio para cinema funcionam de maneira diferente. Inicialmente, quando comecei a escrever histórias para cinema, escrevi-as como se fosse para BD, e a diferença mais importante é que, quando se escreve uma BD, não somos só o escritos, também somos o realizador e o cinematógrafo. Temos que controlar o ritmo e a estrutura, somos responsáveis pela mise en scène, por assim dizer. Temos que dar instruções muito precisas ao escritor sobre o que colocar nos painéis, como fazer as transições entre painéis, mudar o ponto de vista e estabelecer as mudanças de página. Não temos nenhum desse poder quando escrevemos um argumento para cinema. Temos que escrever de um modo mais solto, mais conceitual, e deixar o realizador tomar as decisões sobre como fazer os efeitos. Não dá para descrever todos os detalhes, senão o realizador mata-te. Por isso, foi duro, não foi uma transição fácil. Eu estava a escrever o livro e o filme ao mesmo tempo, e os dois cresceram ao mesmo tempo, por isso contam a mesma história, mas de maneiras diferentes.
De todos os seus livros, qual é o primeiro que um leitor normal de banda desenhada deve experimentar?
Penso que deviam experimentar o “The Girl with all the Gifts”, funciona muito bem. É o livro de maior sucesso que já escrevi, e funciona porque a personagem central é uma menina jovem, que é um monstro. É uma inocente, mas é um monstro, e é sobre escrever e encontrar o nosso lugar no mundo. Tem um poder emocional porque a personagem tornou-se real de uma forma muito convincente.
Passando para o seu início na banda desenhada. Como muitos escritores britânicos, começou na 2000 AD. É um passo necessário que todos os escritores britânicos têm que dar antes de passar para outro lado? É que eu imagino que não paga muito hoje em dia…
Não, paga mais ou menos, mas não paga o mesmo que as editoras americanas. Só que eu não comecei na 2000 AD, eu voltei para trás. Eu comecei numa editora independente rival chamada Apocalypse Press, tinham uma revista chamada “Toxic”, que tentava ser a nova 2000 AD e durou para aí seis meses. Depois arranjei trabalho em editoras americanas, como a Malibu, Caliber e depois DC. Depois voltei e fiz uns trabalhos para a 2000 AD. Mas a 2000 AD tem sido uma incrível montra para muitos criadores. Muitas pessoas que lá começaram deram o salto para fazerem coisas fantásticas nos Estados Unidos. É um excelente cartão-de-visita para ter no currículo. Mas todos os criadores britânicos têm como objectivo trabalhar para a América. O nosso mercado é muito pequeno.
As suas histórias, “Carver Hale” e “Thirteen”, ainda estão disponíveis em colecções?
Acho que estão. Não sei se ainda estão em catálogo, mas foram coleccionadas.
São histórias que ainda vale a pena ler, considerando há quanto tempo foram feitas?
Penso que o “Thirteen” ainda vale a pena ler. O “Carver Hale” tem arte muito bonita, o Mike Perkins fez um desenho fantástico, mas a história em si está muito quebrada. Nunca tinha escrito em capítulos de cinco páginas e ainda estava a tentar perceber. Era preciso juntar muita coisa e deixar um gancho interessante para o capítulo seguinte. Acho que não acertei com o “Carver Hale” mas no “Thirteen” já sabia o que estava a fazer, fiquei orgulhoso do trabalho. O “Carver Hale” parece bonito mas não se lê tão bem.
Também como muitos escritores britânicos, acabou por ir parar à Vertigo. E as histórias que o deixaram famoso foram feitas com personagens criados por outros escritores, Hellblazer de Alan Moore e Lucifer de Neil Gaiman. Quanto controlo tinha sobre personagens e ambiente, considerando que estava a trabalhar com personagens que já vinham de antes?
Deram-me uma quantidade fantástica de liberdade, para falar a verdade. Eu comecei com “Lucifer” e era um grande fã de “Sandman”. Ainda sou, acho que “Sandman” fez coisas com histórias longas que ninguém tinha feito antes na banda desenhada. Era uma estrutura nova, e eu estava entusiasmado por poder trabalhar com esses personagens e aquele mundo. Estava demasiado entusiasmado para ter medo. Mas o Neil foi um colaborador incrivelmente generoso, nunca me dizia não, eu dizia que queria fazer uma coisa qualquer, e ele tentava dar-me uma ideia que podia ajudar a funcionar, mas nunca me bloqueava. Acho que o meu Lucifer começa como o Lucifer dele, mas à medida que a série progride começo a ir noutras direcções e a usá-lo para explorar ideias sobre livre arbítrio e predestinação, e ele torna-se outro personagem de forma subtil. Também introduzi o meu elenco à volta dele. O que aproveitei de “Sandman” foi a ideia de usar o protagonista como catalisador para as histórias de outras pessoas. Em “Sandman”, o Morpheus muitas vezes nem aparecia por números a fio, e outras pessoas tinham aventuras por causa dele. Da mesma maneira, o Lucifer dava o pontapé de saída para as histórias das pessoas à volta dele. Por isso tive muita liberdade e controlo, nunca me senti apertado. Quanto ao “Hellblazer”, o John Constantine muda radicalmente sempre que chega um novo escritor, mas parece haver sempre um ponto comum que é reconhecível como o John. Mas todos os escritores têm a sua própria interpretação do John.
Como andar de emprego para emprego e de cidade para cidade, isso é o John Costantine.
Sim, e às vezes mudar de ideias sobre a bebida favorita dele. Quando o Garth Ennis estava a escrevê-lo, ele bebia Guinness.
Lucifer é uma parte importante da mitologia ocidental, e trabalhou com outras mitologias em “Crossing Midnight” e “Voodoo Child”. Quanto teve que investigar para perceber todas as mitologias básicas para poder adaptá-las para as histórias, especialmente no vudu? Era necessária uma percepção externa para poder adaptar estas histórias para leitores ocidentais?
Vai ser sempre uma percepção externa. Tento que seja uma percepção com respeito. Uma vez disseram-me que se fizer uma pesquisa bem feita, a pesquisa vai transformar-se numa história, e acredito que isso é verdade. Mesmo assim, não sou o Alan Moore. Há escritores que fazem uma pesquisa meticulosa e compreensiva, e eu não. Eu faço pesquisa profunda, mas não perco muito tempo e quando tenho o suficiente para a história, paro e começo a escrever. Em “Voodoo Child”, há uma série de feitiços que não são verdadeiros feitiços, são hinos religiosos de onde tirei as palavras. Acho que não devemos usar as cerimónias religiosas de outras pessoas se não estivermos nessas religiões, por isso usei uma coisa que parece apropriada mas que não é bem igual. Penso que o melhor de usar mito e folclore como base para uma história é que temos uma incrível quantidade de energia e de ritmo. Estas histórias existem há séculos ou milénios, porque continuam a funcionar, geração após geração, são poderosas. E se pudermos utilizar essas histórias, também estamos a usar esses poderes. É um bom ponto para começar a contar uma história.
Passando para a Marvel, vi o seu nome pela primeira vez em Ultimate Fantastic Four. O universo Ultimate tinha algumas expectativas de ser igual, mas não exactamente igual. Quando estava a introduzir as suas próprias histórias no universo, que aspectos queria guardar do Quarteto Fantástico original, da Elektra e do Visão. Suponho que o Visão tenha sido o mais diferente.
Sim, o Visão ficou ficção científica puro e dura, não foi? Eu basicamente peguei onde o Mark Millar deixou, ele já tinha redefinido o Visão duma maneira definitiva, e foi um conceito muito interessante para a personagem. Eu continuei nessa mesma direcção. Com o Quarteto Fantástico, eu queria recuperar o mesmo encanto, pois quando eu era criança e lia o Quarteto, qualquer coisa podia acontecer quando se virava a página, era um mundo onde não havia limites. Era um mundo de milagres, e eu queria que as minhas histórias tivessem a mesma imprevisibilidade, a mesma grandeza. A premissa era voltar às histórias originais do Stan Lee e do Jack Kirby, escolher as histórias que significassem alguma coisa e contá-las novamente para um público moderno, mudar a mobília mas deixar a emoção intacta.
Com a Marvel a mudar os personagens para adolescentes, isso ajudou?
Foi uma ideia inteligente, porque estavam a descobrir-se a eles próprios ao mesmo tempo. Estavam a descobrir o mundo, e adolescentes são engraçados de escrever por causa disso, para eles é tudo novo e entusiasmante.
Mas adolescentes demasiado inteligentes também podem tornar-se chicos-espertos…
Sim, é verdade, há um perigo disso. Mas eles tinham o Ben, o Coisa, para os manter ancorados. E o Reed é muito atractivo, é incrivelmente inteligente excepto no que diz respeito a relações humanas. É uma vulnerabilidade que é fácil de entender.
A dinâmica da relação entre o Reed e a Sue nas histórias originais é a cola que mantém o Quarteto Fantástico junto. Como é que esta Sue muito mais jovem consegue manter uma rédea sobre o comportamento adolescente deste Reed? É que como tem todos a mesma idade ela não tem a mesma função de mãe do Quarteto original.
É verdade, e isso faz-se notar de maneira interessante nas histórias. A história original durou 60 ou 70 números, acho eu, e dá para ver o Reed a perder o juízo, de certo modo. Ele não está completamente focado do mesmo modo que o Reed de meia idade do universo original, comete erros sérios e tem sempre que estar a compensar. A maneira como fiz correr as minhas histórias foi a ideia que os dois estavam num período da relação em que ficavam intensivamente envolvidos muito depressa entravam em processo de convergência e completavam-se, passam por uma fase turbulenta em que deixa de funcionar, e depois voltei a colocá-los juntos, que foi muito divertido.
Também teve a oportunidade de explorar partes do Universo Ultimate que não estavam presentes no original, porque no Homem-Aranha eles seguiram o original, mas eu notei que muitos dos autores tinham trabalhado na WildStorm e utilizaram o aspecto militar, foi uma versão WildStorm da Marvel. Tentou manter-se afastado de propósito?
Acho que sim. O Quarteto Fantástico sempre foi uma banda desenhada de ficção científica, de grandes ideias. Eu queria que isso estivesse à frente, e queria o outro aspecto de serem uma família. Os X-Men são uma tribo, mas o Quarteto é uma família, e eu queria que esse fosse o centro emocional. Houve uma história muito gira no início do Quarteto do Stan Lee e do Jack Kirby, em que o Homem-Aranha tenta juntar-se a eles, e eles tentaram explicar-lhe que não funcionam assim. Eles não são os Vingadores, são um grupo de amigos que trabalham muito juntos.
Já que falou dos X-Men, apanhou a equipa num momento importante da equipa, em que já não há mutantes. Isso foi um factor limitador por ter um grupo mais pequeno de personagens para trabalhar ou isso deu-lhe outras expectativas?
Fiquei triste por muitos personagens serem retirados do saco, mas entrei ao mesmo tempo que o Ed Brubaker. Ele ficou com o título Uncanny ao mesmo tempo que eu fique com os X-Men sem adjectivo. Ele escolheu a equipa principal de seis ou sete personagens e disseram-me que eu podia ficar com quem eu quisesse do resto. A partir desse momento, ainda não tinha sido determinado quem tinha perdido os poderes, e eu pude influenciar essas decisões e dizer que queria este ou aquele para continuarem envolvidos. E durante o meu turno senti-me atraído por personagens que tinham sido esquecidos, ou pouco usados, como a Karima Shapandar (Omega Sentinel) ou a Lady Mastermind, de quem eu gostava muito, mas que só tinham aparecido uma ou duas vezes em continuidade. Havia muito que se podia fazer porque eram relativamente obscuras.
E com alguns dos membros principais a perderem os poderes, teve a oportunidade de os fazer crescer…
De os colocar na ribalta, sim. Fiquei muito contente por poder usar personagens que eram vilões de terceira linha, como a Unuscione, ou membros da Liga de Defesa Mutante e os Acólitos, como a Frenzy.
Teve a oportunidade de curar a Rogue, digamos. Achou que já tinha passado tempo mais do que suficiente para ela aprender a controlar os poderes? Isso era necessário para ela poder crescer?
Sempre achei que era ridículo que o Professor X a recebesse na escola com essa promessa e ele nunca cumpre. Ele é inteligente o suficiente para descobrir uma maneira de o fazer. Eu queria empurrá-la para fora dessa estranha animação suspensa em que esteve tanto tempo.
Também, tendo sido vilã, ela também podia ser alguém que podia inspirar outros ex-vilões mutantes a tornarem-se X-Men.
Sim, uma das razões porque acaba sempre por voltar à Rogue… Gosto de ela, como o Ciclope, ser uma pessoa com uma paixão imensa que é apresentada como estando sempre a manter controlo, a esconder as emoções. Mas às vezes tem a hipótese de se deixar levar e de fazer coisas inesperadas. Por isso, na primeira história que escrevi, ela tocou no Ciclope e na Emma Frost ao mesmo tempo e usa os poderes de ambos, direcciona os raios ópticos pela mão de diamante para refractá-los. Eu queria fazer coisas dessas, conceitos visuais que fossem interessantes e que também estivesse de acordo com a personagem, uma pessoa inovadora, anárquica e imprevisível.
A sua apoteose em X-Men foi, digamos, Age of X. As comparações com a Era do Apocalipse eram inevitáveis mas quando se lê lembra mais a estreia do Legião nos Novos Mutantes, eles estão presos na mente dele.
Pois, não é nada parecido com a Era do Apocalipse… Nem era tão grande.
O Legião também era um daqueles personagens esquecidos. Era o filho do Xavier, e devia esperar-se que o filho do Xavier fosse uma coisa importante tendo em conta quem era o pai. Também era algo que queria explorar?
Sim, foi uma coisa estranha. Ele estava disponível e ninguém estava fazer nada com ele. Era o filho do Xavier, com poderes tremendos, potencialmente perigoso, parecia que, como a Rogue, era algo com que os X-Men deviam lidar. Mas eu tinha proposto só uma história de três partes, e foi o Daniel Ketchum, o meu editor na época, disse-me que “isto é maior do que isso, não devíamos fazer a história maior”? Se pudéssemos ter três histórias nos Novos Mutantes, fazíamos um crossover, ele deu-me a edição Alpha, e acabámos com as histórias do universo Age of X com o Si Spurrier…
O que acabou por deixá-lo mais parecido com a Era do Apocalipse quando visto de fora.
Sim, só que não era tão grande, mas acabou por ser uma história substancial e eu adorei escrevê-la, reinventar os personagens, imaginar como seriam os X-Men nem universo mais negro. Tive o grande prazer, depois de escrever, eles lançaram o TPB, e fizeram uma edição especial encadernada com uns bonecos. Foi um pacote Age of X que agora está a enfeitar o meu móvel.
Já que mencionou que o Legião tem poderes tremendos… consigo a pegar nos X-Men quando estão perto da extinção, e também com o seu trabalho na mini-série do Tocha Humana onde exploram a tecnologia que o criou e depois o seu livro mais recente, “Suicide Risk”, com os níveis de poder a crescer e a afectar o mundo… Parece ser um tema constante que os super-poderes são uma coisa perigosa. Como é que justifica querer explorar esses personagens que são incrivelmente poderosos mas também apresentá-los como uma ameaça para o mundo?
Acho que isso vai mudando. Muda conforme o projecto que estamos a fazer e o mundo que estamos a escrever. O Universo Marvel existe há 60 ou 70 anos com estes personagens. Por isso é apresentado como o mundo de super-heróis e avança com essa ideia. Há agências governamentais a usar super-heróis como os Vingadores, que controlam a situação. Ficamos com a sensação que há um status quo. Com “Suicide Risk”, não tinha essa bagagem, por isso tive a oportunidade de imaginar um mundo de super-heróis a ser empurrado para o fim do mundo. Não era uma situação sustentável. Acho que também depende se vamos estar a usar personagens dentro de uma situação contínua, ou se temos um final em perspectiva. “Suicide Risk” foi planeado como dois anos de histórias e não havia necessidade de imaginar como seria o mundo depois disso. Já nos X-Men ou no Quarteto Fantástico, estamos conscientes que estamos a escrever um capítulo numa história, e há limites até onde podemos mexer no status quo.
É uma boa maneira de acabarmos a entrevista, porque esta última BD foi para a Boom Studios, e não tem trabalhado muito para as editoras grandes nos últimos anos. Do ponto de vista profissional, incluindo estabilidade financeira, e do ponto de vista criativo, é desejável ficar depois de algum tempo dentro da esfera das editoras grandes?
É uma pergunta difícil. Para mim, a razão porque não estou a trabalhar para a DC e Marvel é porque estou a escrever muito em prosa ou para o grande ecrã. Não posso pegar numa revista numa franchise, não podia escrever os X-Men mensalmente, ou um personagem da DC, porque perde-se muito tempo. Temos que ler as outras coisas que estão a acontecer e mantermo-nos actualizados com o universo onde estamos a escrever. Isto nunca me aconteceu na DC porque nunca escrevi dentro do universo, mas quando estava a escrever para a Marvel, eles levavam-me para os encontros criativos para falar com outros escritores e editores, fazermos um brainstorm e falarmos do que ia acontecer nos próximos meses. Era preciso dedicar muito tempo, era uma coisa fantástica, mas agora não era capaz de o fazer. Por isso tenho ideias para mini-séries de quatro ou seis edições que caibam numa graphic novel e publico-as nas editoras pequenas, porque estas podem dar-me um “sim” ou um “não” mais depressa. Mas agora estou a escrever a Barbarella, que é coisa para durar um ano.
Barbarella é algo que é um pouco diferente… é uma personagem criada por outro pessoa mas com uma mitologia própria, que também vem com alguma bagagem atrás, por ser uma “boazona espacial”.
Na BD original, achei-a uma personagem fascinante, porque o Forest pôde escrevê-la logo no início da revolução sexual. Ela é uma mulher poli-amorosa, que tem uma atracção sexual muito forte e está muito segura de si. As aventuras dela envolvem ter sexo com homens, mulheres, robôs. Foi um produto do tempo e uma exploração de uma nova normativa social através de uma personagem de ficção científica. Por isso, quando me perguntaram se eu queria escrever, eu disse que sim, mas queria escrevê-la para reflectir nas atitudes sobre sexo e género agora em vez de como era nos anos 60. Não se precisa de mudar isso, mas tem que se modernizar o mundo à volta dela, ver como ela reage a isso.
Especialmente porque demos uma volta de 180 graus, temos o feminismo de terceira vaga a querer tapar as mulheres hoje em dia. Teve alguns problemas com isso, reclamações de estar a escrever o que é essencialmente uma personagem de “cheesecake”?
Ainda não, porque o primeiro número vai ser publicado em Dezembro, e não sei como vai ser recebido. O que estou a fazer, o primeiro arco vai ser sobre atitudes religiosas sobre sexo, é um pouco sobre mutilação genital, mas num contexto de ficção científica. Por isso é sobre coisas que são importantes agora e que afectam a vidas das mulheres hoje. Dizendo isso, sou um homem e estou consciente da minha falta de perspectiva, por isso espero poder corrigi-los. Mas era uma oferta que não podia recusar.
Após a entrevista, Mike Carey participou no painel de discussão sobre banda desenhada, em conjunto com João Miguel Lameiras, José de Freitas e Filipe Melo, que conseguimos reproduzir na íntegra. A qualidade de som não é a melhor, pelo que recomendamos aumentar o volume do som.
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