terça-feira, 21 de abril de 2015

Uma ideia chamada Grendel



Os anos 80 permitiram a muitos autores norte-americanos de banda desenhada montarem uma carreira onde podiam explorar as suas próprias ideias. Uma das editoras receptiva a este género de artistas era a Comico, que pegou num jovem da Pensilvânia chamado Matt Wagner. A primeira série desenvolvida para a editora foi Grendel, que combinava o gosto de Wagner por crime noir pelo seu interesse no romance Grendel, de John Gardner, que contava o épico de Beowulf, mas da perspectiva do monstro.

Grendel pode ter começado como a história de um criminoso culturalmente sofisticado, mas com o passar dos anos a história evoluiu, adoptando roupagens de ficção científica e de terror, onde Wagner, mais tarde apenas como escritor, viria a misturar vampiros, samurais, ciborgues, incesto e uma guerra entre estado, corporações e religião. Para todos os efeitos, Grendel começou em 1982 com a primeira história que introduziu o assassino Hunter Rose, e terminou em 2000 com o livro ilustrado Past Prime, com o ciborgue Grendel-Prime, mais de 500 anos depois de Hunter Rose ter vivido. No entanto, o tema continua a ser revisitado, viajando entre o passado e o futuro.

Basicamente, a história de Grendel divide-se em quatro partes, que são correspondentes às quatro edições Omnibus que a Dark Horse Comics lançou entre 2012 e 2013.

Fase 1: Hunter Rose


Hunter Rose é o mais famoso de todos os que usaram o nome Grendel e, estranhamente, durante muitos anos, foi o que teve menos histórias. Rose começou numa antologia dedicada ao lançamento de novas propriedades (Grendel surgiu no nº 2 da revista Primer; The Maxx, de Sam Kieth, teve a sua origem no nº 5) e daí saltou para a sua revista a preto e branco, que foi cancelada após três números, devido às dificuldades financeiras da Comico. A pequena editora tentou entrar nas bancas e nas livrarias, mas, sem meios, acabou por necessitar de um novo proprietário.

Matt Wagner aproveitou para reorganizar a história e, quando a Comico regressou, desta vez com revistas a cores, em vez de relançar Grendel, resolveu contar uma graphic novel curta em capítulos, como história extra do seu outro título, Mage, que se apropriava da história do Rei Artur num ambiente urbano. Intitulada “Devil by the Deed”, foi republicada como uma edição especial em 1986, e contava sob a forma de documentário a curta mas intensa história de Hunter Rose, que morreu aos 20 anos, em combate com o lobisomem Argent, depois de ter-se simultaneamente tornado um famoso escritor policial e tomado conta do submundo do crime no espaço de dois anos.

Embora o falecido Hunter Rose continuasse a ser a peça motriz das primeiras 19 edições da futura revista de Grendel, Matt Wagner apenas voltou a pegar na personagem em 1998 e em 2002, com as mini-séries antológicas “Red, White and Black” e “Black, White and Red”. Wagner trabalhou com diversos artistas nas várias histórias, que preencheram com pormenores a história do primeiro Grendel.

Fase 2: A neta de Grendel

A primeira edição de Grendel não tinha a personagem principal na capa nem na história. Pelo menos, não directamente. Em vez disso, a história era contada do ponto de vista da jornalista Christine Spar, filha biológica de Stacy Palumbo, menina adoptada por Hunter Rose depois de Grendel ter assassinado o seu pai. Spar era jornalista e ganhou fama ao escrever o livro com a história de Grendel. Aqui, Wagner passou a concentrar-se na escrita, deixando a arte para os irmãos Jacob e Arnold Pander.

Christine vê-se forçada a usar a máscara e a arma de Grendel (uma forquilha eléctrica) para investigar o rapto e morte do seu filho Anson pelo vampiro Tujiro XIV, levando a um inevitável confronto mortal com o lobisomem Argent, depois de Christine se transfigurar completamente em Grendel. Apesar de se passar num futuro próximo na primeira metade do século XXI, Wagner não tem problemas em usar elementos sobrenaturais em detrimento da ficção científica, como lobisomens, vampiros ou possessão demoníaca.

A história continua brevemente com Brian Li Sung, namorado de Christine, que não se adapta ao novo papel como Grendel e o vê ser morto num confronto directo com o capitão da polícia de Nova York, Albert Wiggins. Volvidos quinze números, e por sugestão do artista Bernie Mireault, Wagner começou a explorar a ideia de Grendel poder possuir mais do que uma pessoa ao mesmo tempo. Os primeiros passos são dados numa série de quatro números em que Wagner volta a desenhar, em que Wiggins se torna famoso como autor de uma série de livros de ficção com Hunter Rose, garantindo assim a propagação de Grendel. Com o passar do tempo, Wiggins começa a enlouquecer e também conhece um fim trágico.

Fase 3: Da incubação a Grendel-Khan


Durante as próximas edições, Grendel parece estar adormecido. Com a morte de Wiggins, Matt Wagner leva a história a passos largos para o futuro, com as corporações a tomarem conta da América do Norte e consequente desagregação do tecido social. Através das histórias de Grendel contados por Wiggins e a sua transformação em programação televisiva subliminal, o nome passa a estar associado ao elemento criminoso, com os membros das gangues mais organizadas a chamarem-se Grendels a si próprios.

Mas a Igreja Católica estabelece-se na América e associa a figura de Grendel ao diabo, tornando-os uma só pessoa. A antiga organização religiosa reinventa-se completamente no novo território, associando imagens de Elvis Presley à sua galeria de santos, e instituindo uma nova Inquisição, depois de se fundir com a COP, a polícia corporativa. As actividades da igreja atraem a atenção de duas pessoas, um auditor chamado Orion Assante, que pertence a uma das famílias da aristocracia norte-americana, e Eppy Thatcher, um génio maníaco que torna-se a primeira pessoa em mais de 500 anos a usar a máscara de Grendel. As revelações sobre o papa Inocente XVII como sendo, na verdade, o vampiro Tujiro e o plano da igreja para tentar destruir o Sol podem fazer Thatcher parecer um herói, mas na verdade ele é um anarquista movido por vingança e paranóia.

As acções de Thatcher e as maquinações da igreja motivam Assante a envolver-se numa demanda político-militar. A sociedade americana entra em colapso devido à multiplicação desenfreada de vampiros (Pellon Cross, o novo líder depois da morte de Tujiro, morde pessoas constantemente) e à destruição do aparelho social da igreja. Entretanto, Orion estava ocupado a conquistar novos territórios, na América do Sul e na África, e usa a arma de Tujiro para devastar o Japão, assegurando que o espírito de Grendel conquista a Terra.

Fase 4: Grendel-Prime

A fase seguinte para todos os efeitos termina a saga de Grendel, mas com Matt Wagner a conseguir levar a propriedade da semi-falida Comico para a Dark Horse. Depois de ter dado à luz o seu filho num útero artificial, Orion Assante, agora o Grendel-Khan, morre deixando a regência nas mãos da segunda mulher, a autocrata Laurel Kennedy. No entanto, o tecido social volta a romper-se nos vários continentes e, antevendo a quebra da sociedade, Assante tinha dado ordem a um Grendel, um ciborgue conhecido como Grendel-Prime, para raptar e esconder o seu filho, Jupiter.

Crescendo até à idade adulta, Jupiter não teve dificuldades em assumir o comando no cada vez mais desordenado império americano, mas também ele viria a sucumbir a um assassinato anos mais tarde. A forma de Grendel já dominava o mundo, contaminando a ordem social como uma força paramilitar inspirada em samurais, mas não parece haver mais espaço de manobra para crescer. A sociedade do século XXVIII parece ser uma mistura de barbarismo e tecnologia avançada, num conflito entre os resultados desta e a natureza.

A história continua noutros formatos, na novela ilustrada Past Prime, onde Susan Verhagen, ex-amante de Crystal Kennedy, filha de Laurel e aliada de Jupiter, procura encontrar o desaparecido Grendel-Prime depois de ter caído em desgraça. Na história “Devil Quest”, incluída numa das séries de Grendel Tales, é o neto de Jupiter que vai à procura do ciborgue. Mas já não havia mais nada a explorar neste período. Então, Matt Wagner virou-se novamente para o passado, editando novas histórias com Hunter Rose.

Mundos parelelos: Batman e contos de Grendel



Fora da revista normal, foram publicadas muitas outras histórias de Grendel. As mais interessantes e de melhor qualidade são os dois crossovers com Batman, o primeiro com uma visita de Hunter Rose a Gotham City e o segundo com Grendel-Prime a viajar para o passado para encontrar a caveira de Rose.

Matt Wagner também explorou alguns mundos paralelos, nomeadamente uma mini-série com a origem do lobisomem Argent, intitulada Silverback. Pouco antes do fecho da Comico, Wagner tinha planeado iniciar uma série antológica chamada Grendel Tales, para contar histórias dos vários clãs de Grendels que infestavam o ambiente urbano da América futura, da autoria de outros escritores e artistas. Foram publicadas oito mini-séries, onde trabalharam nomes como James Robinson, Paul Grist, Darko Macan ou Steve Lieber.

Mais recentemente, Wagner regressou mais uma vez a Hunter Rose, para um crossover nos anos 30 com o Sombra, via viagem no tempo, e publicado pela Dynamite Entertainment em 2014.










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