Continuando a história dos super-heróis franceses, falando da mais
prolífica editora de petits formats, a Éditions Lug. A editora
tinha um nome inspirado no antigo nome da cidade de Lyon, Lugdunum, e
Lyon era a base da maioria das editoras deste tipo de revistas. A Lug
ficou conhecida no início por editar material italiano, nomeadamente
Tex, mas também por ter sido a primeira editora a lançar a Marvel
Comics em França e, mais importante em termos culturais, por ter
criado o primeiro universo francês com personagens partilhadas.
A
Éditions Lug foi fundada em 1950 por Alban Vistel e Marcel Navarro,
com o primeiro a ter a seu cargo a gestão da companhia e o segundo a
preocupar-se com a área editorial. Navarro aproveitou a sua amizade
com Gianluigi Bonelli, fundador da editora italiana Audace (que
depois se transformaria na Sergio Bonelli Editore), para lançar
várias revistas com personagens western, a antologia Rodéo, que foi
publicada de 1951 a 2003, durando um recorde de 628 números, e os
heróis Plutos e Tex em título próprio. Em 1952 apareceram ainda os
títulos humorísticos Pipo e Pim Pam Poum e a série de aventura
Kiwi, onde o marinheiro Blek, da editora italiana SGS, era
o herói principal.
No
entanto, nos anos 60, Navarro resolveu diversificar a publicação
com personagens próprias, ainda que os entregasse depois a
escritores e desenhadores italianos para produzir as histórias. O
primeiro surgiu em 1963 e chamava-se Zembla, um clone de Tarzan,
feito para rivalizar com o italiano Akim. Ironicamente, Navarro
contratou o mesmo artista criador de Akim, Augusto Pedrazza, para
ilustrar as histórias de Zembla. Zembla foi um caso de sucesso,
estreando-se na antologia Kiwi antes de passar, a seguir da sua
segunda história, para título próprio, que durou 479 números até
1994.
Alguns
dos heróis iniciais da Lug eram mais parecidos com aventureiros de
ficção científica, combatentes do crime, ou westerns, mas com
alguma inspiração em super-heróis, como era o caso dos cowboys
Rakar, de Ivo Pavone, e Drago, de Carlo Cedroni. O sucesso de Zembla
levou à criação de outro clone de Tarzan, Tanka, por Yves Mondet.
Silver Shadow (com o nome em inglês no original), de Giorgio
Trevisan, e Gun Gallon, de Lina Buffolente, faziam do tempo e espaço
os lugares das suas missões. Dick Demon, de Ivo Pavone, e Morgane,
de Pier Carpi e Arnoldo Rosin, tinham poderes mágicos. Em
simultâneo, foram lançadas novas antologias, incluindo Yuma,
Ombrax, Baroud e Mustang.
Entretanto,
antes do final dos anos 60, mais coisas iriam mudar. Em 1969, Claude
Vistel, filha de Alban Vistel, regressou de Nova York com os direitos
de publicação de várias personagens da Marvel Comics na mala, que
chegaram a França pela primeira vez. Títulos como Strange, com 350
números, Nova, com 227 números, ou Titans, com 215 números, foram
os maiores sucessos, em alguns casos passando a fronteira dos petits
formats para o formato americano a cores e até persistindo depois da
perda dos direitos da Marvel, em 1996. Mas um dos títulos que deixou
mais saudades foi a lendária revista Fantask, onde eram publicados o
Quarteto Fantástico e o Surfista Prateado, e que durou apenas sete
números, sucumbindo à censura imposta pela infame lei de 16 de
Julho de 1949.
A
chegada da Marvel inspirou Navarro a fazer mais criações, começando
logo em 1969 com a revista Wampus, em que a personagem principal, com o mesmo nome, era
um terrível monstro extradimensional, com a capacidade de possuir
corpos humanos, e que tinha como opositor na Terra o agente secreto
Jean Sten. Navarro entregou a produção a Franco Frescura e Luciano
Bernasconi. A segunda história da revista era de Mister Song, um
agente secreto da agência C.L.A.S.H., um acrónimo semelhante ao da
S.H.I.E.L.D. da Marvel , com argumento de Frescura e arte de
Trevisan, que colocaram Song a enfrentar a organização Crimen.
Wampus também foi vítima da censura francesa, durando apenas seis
números.
Navarro
não desistiu e foi criando novos heróis, especialmente na revista
Futura, lançada em 1972. Durou apenas 33 números, mas introduziu
uma grande variedade de personagens, incluindo o telepata Jaleb, de
Claude Legrand e Annibale Casabianca, o polícia alienígena
Homicron (semelhante ao Lanterna Verde e preso no corpo de um humano),
de Buffolente e Paolo Morisi, Sibilla (jornalista combatente do
crime), de Pier Carpi e Bernasconi, e Jeff Sullivan, um clone de Doc
Savage com superpoderes, feito por Legrand e Bernasconi. A revista
Mustang, por seu lado, passou brevemente dos westerns para os
super-heróis e deu origem a personagens como Starlock, que juntava
elementos de Jeff Sullivan e Homicron, Cosmo, um herói espacial,
Mikros, com poderes insectóides, e Photonik, com poderes baseados em
luz. Navarro, usando o pseudónimo Malcolm Naughton, trabalhou
directamente no argumento de algumas histórias. Legrand e Bernasconi
também criaram um herói bárbaro em revista própria, Kabur, que
durou apenas seis números, e que incluía o herói alienígena Le
Gladiateur de Bronze como história extra. Todas estas personagens
faziam parte de um universo partilhado que fazia referências
constantes aos eventos uns dos outros, ainda que os crossovers
directos fossem inexistentes.
Depois
de uma doença prolongada de Vistel e da reforma de Navarro, a
Éditions Lug foi vendida ao grupo escandinavo Semic em 1994, e a
divisão de BD mudou de nome para Sémic S.A., terminando com as
histórias originais francesas. Em 1999, já depois da mudança de
foco da Marvel para a WildStorm, a redacção mudou-se de Lyon para
Paris, e o novo editor, Thierry Mornet, juntou-se ao experiente
Jean-Marc Lofficier para ressuscitar os vários heróis da Lug.
Zembla, Wampus e Kabur voltaram às bancas, assim como La Brigade
Temporelle, Sibilla e Phenix. Lofficier aproveitou a interacção
ainda maior da cronologia para criar equivalentes aos Vingadores, o grupo governamental Hexagon, liderado
por Sullivan, e Strangers (em inglês no original), reunindo
Homicron, Starlock e Jaleb, o transmorfo Jaydee e a misteriosa
Futura, sob a liderança de Tanka. Durante esta fase, Lofficier e
Dave Stevens criaram o primeiro crossover entre personagens de BD
francesa e da BD americana, um confronto curto entre Wampus e Nexus.
Luciano Bernasconi regressou à actividade como artista, mas nomes
como Jean-Jacques Dzialowski, Manuel García, Javier Pina, Stéphane
Roux e o brasileiro Marcelo di Chiara foram alguns dos artistas
envolvidos.
Em 2003,
a primeira mini-série dos Strangers foi editada nos Estados Unidos
pela Image Comics, seguindo-se um crossover de Sibilla e Phénix com
Witchblade, da Top Cow, mas o sucesso foi sol de pouca dura. Com o
mercado de revistas de BD de França dominado pela Panini, que tinha
os direitos da Marvel e da DC, a Sémic S.A. fechou portas em 2004.
Lofficier, um dos poucos franceses que trabalha dos dois lados do
Atlântico, liderou um grupo de artistas para fundar o sindicato
Hexagon Comics, recuperando os direitos de autor para os criadores. A
Hexagon não só reeditou o material clássico em edições integrais
e o mais recente na Comixology, como também produz também novas
histórias ocasionalmente, mantendo vivo o único universo francês
de super-heróis.
Esta rubrica voltará brevemente, para falarmos da prolífica editora de petits formats
Aventures & Voyages, com destaque para a revista de ficção
científica Antarès.
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