O Universo Marvel foi afogado pela nova cronologia não planeada 'criada' por Brian Michael Bendis, mas isso não tem que significar que é tudo mau. Aliás, em termos de histórias, o Bendisverso tem algumas vantagens. Todos os escritores têm os seus personagens fetiche (por exemplo, Roger Stern trouxe de volta aos Vingadores os então esquecidos Mulher-Hulk e Cavaleiro Negro, Erik Larsen sempre foi um grande fã de Nova, Mark Waid ressuscitou Sharon Carter), mas neste caso Bendis conseguiu aumentar e muito a importância de personagens que escolheu para integrar o elenco dos Novos Vingadores, e inspirou outros escritores a fazer o mesmo com outros personagens:
Cage e Punho de Ferro
A dupla de amigos mais insólita do mundo juntou forças em 1978, quando as duas modas que lhes tinham dado origem (blaxploitation e kung fu craze) já se tinham eclipsado. No entanto, o duo teve algum sucesso no mercado direto e continuou no ativo até 1986, quando o Punho de Ferro morreu. Durante os anos 90, ambos não passaram de personagens secundários, com Luke Cage a ganhar uma revista própria pouco conhecida, num ambiente urbano-depressivo, enquanto Danny Rand foi ressuscitado na revista de Namor. O crossover “Heroes Reborn” permitiu o regresso da dupla nas páginas de “Heroes For Hire”, integrando uma formação de super-heróis convencionais, mas Bendis trouxe ambos de volta a histórias urbanas como coadjuvantes nas histórias de Demolidor. Ao dar o salto para a revista “New Avengers”, Bendis promoveu intensamente Cage como uma personagem importante para a consciência da equipa, como se fosse uma espécie de Grilo Falante super-forte e invulnerável, e hoje tornou-se inseparável do conceito integrando uma equipa criada por si na revista “Mighty Avengers”. O Punho de Ferro não demorou muito a integrar a equipa (fazia sentido), durante a Guerra Civil, mas o mais importante foi a sua passagem para o título solo “Immortal Iron Fist”, que o transformou de um objecto de curiosidade para um verdadeiro personagem de culto, graças ao excelente trabalho dos escritores Ed Brubaker e Matt Fraction.
Mulher-Aranha
Um de dois casos criados pela Marvel para ter versões femininas de super-heróis com marca registada, Jessica Drew foi uma personagem popular durante o início dos anos 80, com histórias escritas por Chris Claremont e algum envolvimento com os X-Men. Mas a personagem acabou por ser dada como morta e perdeu os seus poderes, sendo praticamente relegada ao esquecimento. Claremont ainda tentou usá-la nos anos 90 nas páginas de “Wolverine”, mas foi preciso esperar por Bendis para recuperar a popularidade antiga, restaurando os seus poderes e incluindo-a na equipa principal em “New Avengers”. A personagem acabou se tornar a peça central da infiltração skrull na comunidade de super-heróis, pois uma falsa Mulher-Aranha foi membro dos Vingadores durante a invasão da Terra, e quando Jessica foi libertada teve que provar o seu valor à equipa. Drew, que deve a sua origem à HYDRA e é um de vários heróis que é membro directo da SHIELD, acabou por integrar-se nos Vingadores, tanto na equipa principal como no grupo de espionagem em “Secret Avengers”, e Jonathan Hickman não a quis deixar de lado quando começou a escrever o título principal da equipa.
Doutor Estranho
Stephen Strange teve que reiniciar a sua revista e passar por antologias em algumas ocasiões, mas na prática teve um título próprio permanente entre 1964 e 1996, até ao crossover “Onslaught” e à falência da Marvel. Estranhamente, durante vários anos, fora a mini-série ocasional, passou a ser ignorado pela maioria dos escritores, que o consideravam excêntrico demais. O feiticeiro supremo da Terra sempre operou à margem dos super-heróis, pelo que não era considerado uma peça fundamental para o novo tipo de histórias que surgiu durante o início do reinado de Joe Quesada como editor-chefe. Mas Bendis criou uma equipa bastante ecléctica em “New Avengers”, e como resolver a questão dos poderes mágicos da então desaparecida e enlouquecida Wanda Maximoff era uma das histórias recorrentes, não demorou muito para o Doutor passar a ser membro de pleno direito da equipa. Mais, Bendis não resistiu a dar a Strange um papel muito especial no seu novo implante de continuidade, os Illuminati, que colocava o feiticeiro como uma peça importante em todas as crises que assolaram o mundo dos super-heróis no Universo Marvel. É nessa qualidade que o Doutor Estranho continua como membro, na atual encarnação do título “New Avengers”, dedicado especificamente aos Illuminati.
Destrutor
Como super-herói, Alex Summers sempre viveu na sombra do seu irmão, Ciclope, líder do grupo mutante X-Men. Mesmo no mundo real, o personagem tem tido apenas momentos ocasionais de brilhantismo, entrecortados por alturas em que era remetido para segundo plano. Depois de criado por Roy Thomas em 1970, Chris Claremont não precisou nele na sua formação dos X-Men, em 1975. Alex Summers chegou a tentar uma vida civil, pelo que Claremont raramente o usou até ao final dos anos 80. Foi Peter David o primeiro a explorar o verdadeiro potencial do Destrutor, na revista de temática mutante mais indiossicrática da época, “X-Factor”, onde o irmão mais novo do Ciclope passou a comandar uma equipa governamental. Mas no final dos anos 90, com novos escritores, o título X-Factor rapidamente deixou de se distinguir da manada e o personagem foi enviado para um universo paralelo, mais depressivo e dantesco, onde ficou preso durante dois anos. Quando voltou, mais valia ter lá ficado, pois foi parar às mãos do escritor Chuck Austen, na telenovela mexicana em que este tinha transformado “Uncanny X-Men”. Mas Ed Brubaker aproveitou a criação do terceiro irmão Summers em “Deadly Genesis” para recuperar Alex e colocá-lo no renascido universo cósmico com a história “The Rise and Fall of the Shi'ar Empire”. Mas foi Rick Remender que o trouxe de volta para a frente do Universo Marvel na revista “Uncanny Avengers”, onde Alex revelou ter uma personalidade bem mais amigável que o seu irmão, assumindo da equipa unidade Vingadores e X-Men.
Universo Cósmico
Tema cósmico não vende! Isso era um mantra entre alguns editores. Passava-se alguma coisa no espaço? A Terra tinha que ter alguma coisa a ver com isso. Guerra Kree/Skrull, Fénix, Cubo Cósmico, Guerra dos Espectros, Tempestade Galáctica, Desafio Infinito, tudo acaba por desaguar na Terra, um planeta tecnologicamente pouco avançado, cuja população não tem capacidade para se aventurar para fora do seu sistema solar. Faz sentido que, num universo tão grande, tudo se passe à volta de um pequeno planeta azul num braço da espiral da Via Láctea? O editor Bill Rosemann disse que não. Rosemann foi o responsável pelo interesse renovado nas histórias passadas em naves espaciais e planetas alienígenas. Não é uma consequência directa da chegada do Bendisverso, mas vem no seguimento de uma nova forma de escrever histórias (representadas por Bendis e por Brubaker, por Kieron Gillen, Matt Fraction e Jonathan Hickman), graças ao trabalho de Rosemann, mas também de Keith Giffen e, mais importante, de Dan Abnett e Andy Lanning. As histórias “Annihilation”, “War of Kings” e “Realm of Kings”, os títulos do Nova e dos Guardiões da Galáxia, contam todos com heróis terrestres, mas o planeta Terra é quase ignorado. Tudo se passa numa galáxia muito, muito distante (ainda que no presente em vez de há muito, muito tempo). E agora que o filme dos Guardiões da Galáxia foi um sucesso, as histórias no Espaço Sideral vão continuar a fazer parte do Universo Marvel durante o futuro próximo. E até Bendis já está a escrevê-las. Mas não tão bem como Abnett & Lanning.
Sinceramente não percebo o que é que toda a gente têm contra o Bendis. É um escritor como os outro. têm material bom e material menos bom. A fase dele no Daredevil é das melhores que já li.
ResponderEliminarNão sabia do Iron Fist. O que é que recomendas para "entar na onda" do personagem?
Para mim, o Bendis representa tudo o que há de errado na Marvel hoje em dia. Não gosto do estilo da sua escrita, mas principalmente detesto a sua falta de atenção/ignorância para com a continuidade.
ResponderEliminarEm primeiro lugar, parabéns ao Paulo Costa por este artigo. Gostei de tal forma que vou agora ler os dois primeiros artigos.
ResponderEliminarEm relação ao que dizes no fim do artigo ao facto dos editores terem o mantra que tema cósmico não vende, pôs-me a pensar que toda esta recente viragem da Marvel para o espaço vem na sequencia da DC fazer aquela ultima saga enorme que vendeu bem (e na minha opinião espectacular) do Lanterna Verde. Posso estar enganado, mas as datas batem certo nao batem. Esta onda cósmica da Marvel (a recente) vem depois do Lanterna ter o sucesso que teve nao foi?
Bem, seja como for, vou ler os outros dois.
Boa continuação de escrita de óptimos textos.
Wally West e Paulo, o meu principal problema do Bendis é a falta de respeito dele pela cronologia e a pouca capacidade dele de fazer pesquisa sobre personagens. Ao contrário da maioria das pessoas, eu não tenho um problema com os diálogos entrecortados dele. Tanto que esta crónica é para falar daquilo que surgiu de bom através do Bendisverso. Estes personagens estavam esquecidos ou maltratados e agora são populares e importantes para as histórias.
ResponderEliminarNa segunda crónica do Bendisverso, eu menciono como esta abordagem à cronologia está a ser seguida como normal pela nova onda de escritores que tem surgido nos últimos 10 anos, principlamente Jonathan Hickman. São também todos apologistas da escrita descomprimida "writing for the trade".
Wally, podes pegar nos dois volumes de "The Immortal Iron Fist: The Complete Collection". Compra sem medo.
Luís Sanches, as datas batem certo... mais ou menos. Há um intervalo de cerca de dois anos entre "Green Lantern: Rebirth" e o primeiro evento "Annihilation". As editoras costumam planear os lançamentos com 18 a 24 meses de antecedência, portanto a reacção não poderia ser devido ao sucesso comercial. Historicamente, a Marvel e a DC até têm tendência para desenvolver projectos comuns ao mesmo tempo, e quando um é reacção ao outro, eles ainda estão mesmo na fase de planeamento.
ResponderEliminarA motivação mais provável é que, com o estabelecimento da Marvel Studios, era preciso terem algumas histórias grandes que pudessem minar para usar em filmes, o que realmente veio a acontecer. E na época a Marvel ainda não sabia que a Disney ia comprar a Lucasfilm para ficar com "Star Wars".
Com tanta coisa sobre o Bendis não respeitar o passado das personagens, e é esquecido o principal deste tipo: é um mau escritor de comics PONTO FINAL.
ResponderEliminarÉ muito fácil pegar num livro do Bendis ver na sua escrita um cunho completamente amador, de quem parece que está nisto há uns dias.
Quais os erros de Bendis, então vou tentar lembrar-me dos mais grosseiros:
- Ignora completamente o artista para o qual a história é escrita.
- Ignora completamente o pacing adequado para a história que tem em mãos. Se se lembrar de uma detalhe de uma história e tiver de mandar um argumento, consegue esticar aquilo para lá do impossível
- Não sabe decompor um diálogo em vinhetas - SHOW DON´T TELL.
- Usa balões com uma frequência estúpida. Li algures, um artigo de Warren Ellis em que ele diz que se o argumentista tiver na sua mente 3 balões por vinheta, o pacing da história irá ocorrer de forma natural.
- Se sacarem um argumento do Bendis da net e lerem, vão ver que existem páginas impossíveis de desenhar. Por exemplo, o Matt Fraction como não sabe desenhar, faz um esquema de quadrados, para perceber se o que escreveu pode ser decomposto em vinhetas. Bendis está a lixar-se para isso.
A sorte do Bendis é que por vezes apanha artistas que fazem magica com aquilo que ele escreve: Oeming ou o Immonem por exemplo.
Fernando, a questão do Bendisverso não tem nada a ver com a escrita. O Bendis criou, efectivamente, uma cronologia ao nova ao ignorar, por decisão ou por omissão, a anterior. Só que ele não é o único a fazê-lo. Em todo o caso, se queres ver como é o Bendis a desenhar, tenta encontrar as graphic novels policiais "Jinx", "Goldfish" e "Torso" e o auto-biográfico "Fortune & Glory".
ResponderEliminarVoltando à questão da cronologia, tão ou mais 'perigoso' que o Bendis é o Jonathan Hickman, especialmente em "SHIELD" e "Fantastic Four". E eu até gostei de Howard Stark e Nathaniel Richards como aventureiros. O Ed Brubaker também não é grande amigo da cronologia, até porque ele nunca foi muito de ler super-heróis, mas está milhas à frente do Bendis em termos de capacidade. E nem vou falar no Stra-coiso.
Bom artigo.Bendis ajudou a tirar o pó a algumas personagens.
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