quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

A Palavra dos Outros: Uma breve história da identidade secreta – Parte VI (Requiem) por Paulo Costa


E eis que chega (infelizmente) a última parte deste super-artigo sobre a história da Identidade Secreta.
Apreciem o último texto de Paulo Costa sobre este tema!


Uma breve história da identidade secreta – Parte VI


Para festejar o 25º aniversário da encarnação mais moderna da Marvel, Jim Shooter tinha criado o “Novo Universo” em 1986. A premissa foi que um fenómeno atmosférico, chamado o Evento Branco, deu superpoderes a muitas pessoas por todo o mundo, mas quase nenhuma passou a usar máscara ou a combater o crime directamente. Um desses beneficiados foi Ken Connell, que recebeu uma arma, o Estigma, de um alienígena moribundo. Connell, que estava a sair da adolescência, usou os seus poderes para proveito próprio, para ter o mínimo de trabalho possível.

Em “Star Brand” nº 11, publicada em 1988, Connell decidiu tornar-se um super-herói com identidade secreta. No número seguinte, visitou uma convenção de banda desenhada em Pittsburgh, onde foram os próprios profissionais (John Byrne, que escreveu e desenhou esse número, era um deles) que lhe disseram que o conceito nunca poderia funcionar no mundo real. Mesmo com uma máscara cobrindo completamente a sua cabeça, Connell foi avisado que é extremamente fácil descobrir o seu verdadeiro nome pela voz, altura, postura, linguagem corporal e outros detalhes que a roupa colante não disfarçava. Normalmente, os heróis também têm o costume de operar perto das suas áreas de residência e a tendência para envolver os seus entes queridos no seu trabalho como vigilantes, tornando manter uma identidade secreta ainda mais complicado.

Anos mais tarde, o evento “Heróis Renascem” inspirou a Marvel a recuperar uma imagem mais tradicional para a maioria das suas personagens, mas houve um pequeno génio que conseguiu ir mais além: Kurt Busiek. Famoso apenas por ser o escritor de “Marvels” mas também conhecido pelos seus fãs pelo bom trabalho em “Astro City”, Busiek conseguiu combinar sensibilidades modernas com um visual clássico. Em 1998, poucos meses depois de relançar os Vingadores com uma equipa composta pelos membros mais conhecidos, retirou o Gavião Arqueiro e colocou-o em “Thunderbolts”, revista onde tinha chocado o mundo ao revelar as personagens titulares como super-vilões disfarçados. Na edição nº 0, um número promocional lançado com a revista “Wizard”, o Gavião Arqueiro está sentado num restaurante com a repórter Gayle Rogers, vestido à civil, e embora não tenha dito o seu verdadeiro nome, admite que não tem uma identidade secreta para esconder. Busiek prosseguiu com o Homem de Ferro a revelar progressivamente a sua identidade a quase todos os membros dos Vingadores (até à época, apenas os colegas que conhecia há mais tempo a sabiam), que teve seguimento em 2002, em “Iron Man” nº 55, quando Tony Stark revela ser o piloto exclusivo da armadura, para logo a seguir assumir a posição de Secretário de Estado.

A DC, por seu lado, não prosseguiu do mesmo modo. Em “JLA” nº 50, publicado em 2001, os membros activos da equipa (na altura, o dream team da DC) revelaram as identidades secretas uns aos outros, até porque vinha no seguimento de uma história grande em que Ra’s al-Ghul, adversário do Batman, usou os ficheiros pessoas que este tinha compilado para atacar os pontos vulneráveis de cada membro da Liga da Justiça. Entretanto, na revista “JSA”, o escritor James Robinson tinha aproveitado as relações geracionais da equipa, em que quase não havia segredos entre os membros da equipa (tanto os clássicos como os novos) como base para contar histórias. Quando o título foi recomeçado em 2007 como “Justice Society of America”, um grupo de vilões, o Quarto Reich, tinha aproveitado o facto de quase todos os membros terem identidades públicas para assassinar as famílias de vários heróis dos anos 40.

Antes disso, em 2004, Brad Meltzer alterou retroactivamente a dinâmica das relações entre os super-heróis da DC. Em “Identity Crisis” nº 1, heróis que até aí não tinham demonstrado conhecer-se nas vidas civis, começaram a tratar-se um ao outro pelos nomes verdadeiros, mesmo quando eram mostradas cenas passadas. Embora os membros da Liga da Justiça nunca tenham revelado publicamente as suas identidades, estes relacionamentos mais próximos entre os heróis apontavam o futuro de como seriam contadas novas histórias de super-heróis nos Estados Unidos. Apenas um mês depois, Brian Michael Bendis escreveu a edição nº 500 da revista “Avengers”, introduzindo os seus famosos diálogos rápidos e entrecortados, que sempre usou para representar conversa fiada. Aqui, Bendis começou a transformar o Universo Marvel no ‘Bendisverso’, em que a cronologia finalmente deixou de fazer sentido, mas o mais importante é que aprofundou as relações entre personagens na Marvel, plantando as sementes do que iria tornar-se a mini-série “Civil War”, em 2006.

Na época, os Novos Guerreiros eram as estrelas de um reality show dentro do Universo Marvel, em que capturavam vilões de segunda linha. Num confronto com Nitro, este usa o seu poder de detonar o próprio corpo, destruindo uma escola e matando centenas de crianças. Os super-heróis com identidade pública começam a ser acossados pela imprensa e pelos civis, levando as autoridades a reagir. A resposta de Tony Stark, um dos heróis mais públicos, como o Homem de Ferro, é registar todos os cidadãos possuidores de super-poderes. Na época, a história serviu para representar o conflito da sociedade americana real entre liberdades civis contra a necessidade de proteger os cidadãos de ataques, bem como para criticar o direito adquirido de possuir armas. No Universo Marvel, o maior sacrifício foi do Homem-Aranha.

Apesar de ter finalmente entrado para os Vingadores como membro activo, Peter Parker era das poucas personagens que mantinha uma vida civil afastada do mundo das máscaras e capas. Mesmo com todos os anos de experiência, era dos heróis menos conhecidos dentro da comunidade, com poucas pessoas a terem conhecimento da sua verdadeira identidade. Era, portanto, a personagem ideal para ser desmascarada. Num acto de boa-fé, revelou o seu nome em frente às câmaras de televisão. O problema é que o Homem-Aranha era dos poucos heróis com problemas reais e banais (falta de dinheiro, pouco sucesso com namoradas), e esta revelação descambou na necessidade de uma ordem editorial para criar uma solução deus ex machina para o problema.

Hoje, no Universo Marvel, já quase ninguém se lembra do nome verdadeiro do Homem-Aranha, e é um dos poucos heróis que mantém uma identidade secreta, juntamente com o Demolidor (legalmente, a sua identidade não pode ser provada, embora seja do domínio público) e, possivelmente, com o Cavaleiro da Lua. A DC, por seu lado, apagou elementos como um Superhomem casado (com uma repórter que durante 60 anos tinha ‘esticado’ ao máximo a piada de descobrir a identidade do herói) e um Batman cuja identidade era conhecida por pelo menos quatro super-vilões, com novo recomeço do seu universo a partir do zero, após o crossover “Flashpoint”.

Fora da Marvel e da DC, a existência da identidade secreta quase não é explorada. Têm surgido poucos super-heróis novos nas outras editoras, onde apenas o título “Invincible” lidou com heróis mais tradicionais, nos seus primeiros anos de publicação.


Texto: Paulo Costa

E pronto... o que é bom também se acaba. Fico à espera para ver com que artigos mais é que o Paulo nos vai presentear!
:)

Podem ver as outras cinco partes nos seguintes links:

Uma breve história da identidade secreta – Parte I

Uma breve história da identidade secreta – Parte II

Uma breve história da identidade secreta - Parte III

Uma breve história da identidade secreta – Parte IV

Uma breve história da identidade secreta – Parte V

Boas leituras

10 comentários:

  1. Paulo Costa gostei muito de todos os textos que você escreveu, pude me lembrar de algumas coisas e conhecer outras.

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  2. He leído Starbrand y también Civil War. Me han gustado mucho estos posts sobre las identidades secretas.

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  3. Tenho de dizer que estes foram 6 artigos de grande qualidade, e foi com orgulho que foram apresentados aqui no Leituras de BD!
    Obrigado Paulo Costa!
    E não estou a desmerecer todos os outros que também já participaram no LBD, como é lógico. Apenas estou a dar os parabéns por este artigo muito completo e extenso! 6 partes!
    :)

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  4. Uma pena ter acabado está série, mas aguardo uma próxima do Paulo Costa!

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  5. Não tenho planos para uma série longa de artigos nos próximos tempos, mas prometo uma nova coluna do tema "Reflexões e Refracções" nos próximos dias.

    Gostei de ter inscrito esta série sobre as identidades secretas, mas como já disse nos comentários da parte 5, gostava de expandir algumas ideias que, vejo agora, ficaram pouco desenvolvidas.

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  6. Mais um grande texto Paulo. Foi uma optima viagem esta.

    Venha o próximo artigo.

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  7. Essa coluna termina já deixando muita saudade, Paulo!

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  8. Fecha com chave de ouro um óptimo conjunto de textos. Parabéns ao Paulo Costa.

    Esperamos por futuros textos da sua autoria.

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  9. Terminou em beleza,dos arcos acima descritos o unico que não gostei foi a Torre de Babel.

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Bongadas

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