segunda-feira, 16 de março de 2015

Lone Wolf and Cub: Parte I - Introdução



Lobo solitário ou Lone Wolf and Cub por Kazuo Koike e Goseki Kojima é uma obra que merece uma referência especial, pelo que, dedicarei este espaço (as minhas próximas contribuições) a fazê-lo, na medida da minha capacidade.




























A forma mais adequada para eu fazer uma revisão a esta obra é desta forma: começo com uma introdução, o contexto; depois tentarei fazer uma súmula da obra; e, no fim, abordarei as suas consequências e farei a transposição para a sua presença na sétima arte, o cinema. O tema é vasto pelo que, mais do que ler a análise que aqui vos deixo, aconselho a leitura, vivamente.


Confesso, sim, que Lone Wolf and Cub é uma manga, a melhor que até hoje li, que me fascina. Pelo que tentarei ser o mais objectivo e concreto acerca dela quanto possível. É uma narrativa que se enquadra na era feudal correspondente ao período Tokugawa, ou Edo, no Japão, e desenha acontecimentos que terão ocorrido após o ano de 1655.

Nessa época o código de conduta samurai Bushido era fulcral para a descrição das práticas da sociedade. Assim como era também ponto assente a filosofia ou o espírito budista. A ficção começa assim, com uma descrição hierárquica da sociedade de então: o Shōgun, comandante do exército, (clã Tokugawa) senhor dos Daimyō (lordes do Japão); os Oniwaban, guardiões do jardim (clã Kurokawa), espiões, dedicados à obtenção de provas contra determinado Han (território feudal); os assassinos (clã Yagiū); e o carrasco mor, Kaishakunin, responsável pela decapitação (aquando do ritual suicida Seppuku) dos Daimyō insurgentes, ele mesmo portador da vontade última «a vontade do Shōgun».

Ogami Ittō (Lone Wolf), a personagem central do drama trágico da qual se desenrola a obra, até então Kaishakunin, vê-se enredado numa trama elaborada pelo clã Yagiū. Yagiū Retsudō, o líder do clã, arranja uma forma de assassinar a mulher de Ogami Ittō, e de o indiciar por crimes de sedição contra o próprio Shōgun. Na impossibilidade de defender a sua posição de honra, Ogami Ittō decide enveredar pelo caminho do assassino, o caminho da vingança, como um demónio saído do inferno Meifumadō, renegando assim o Bushido, o caminho do guerreiro.


Essa decisão não lhe compete apenas a ele, pai, mas também a Ogami Daigorō (Cub) o seu filho. Ogami Daigorō é ainda bebé aquando dos acontecimentos aqui descritos, tem de escolher: seguir o caminho do pai, escolher a espada (de um género especial, denominada de Dōtanuki); ou o caminho da mãe, uma bola Temari, e segui-la no mundo dos espíritos. Ou seja, Ogami Daigorō, praticamente recém-nascido, é levado a escolher entre a morte (às mãos do pai), ou a seguir uma vida maldita (ao lado do pai).

Ogami Daigorō escolhe a espada, numa das sequências que nos ficam, por ser, possivelmente, uma das mais carregadas de significado de toda a narrativa. Pois, porque, daí em diante, ambos seguem esse caminho, o caminho do assassino. Há toda uma sensação de inevitabilidade, e de ordem, na forma como se processa assim o seu destino. Faz-nos querer rever toda essa dialéctica que é a do livre arbítrio «podia ter feito» e a contraposição com essa ideia, que é a ideia da fortuna, ou fado «não fiz».

Daí em diante a saga é monumental, cada um dos seus capítulos é por si só uma obra de mestria, tanto em argumento como em desenho; ou em contenção ou soberba. E, dessa forma, e nesse contexto, atrevo-me a dizer que a realidade que é a dos seus autores se sobrepõe à tão própria realidade que é a da ficção, a da obra, ou seja: que é a do caminho do pintor (Goseki Kojima); ou a que é a do caminho do poeta (Kazuo Koike).



Goseki Kojima nasceu a 3 de Novembro de 1928 e morreu a 5 de Janeiro de 2000. Da sua biografia realça-se o facto de, autodidacta, ter começado a carreira como pintor de posters para salas de cinema. Mudou-se em 1950 para Tóquio, uma Tóquio devastada, pós II grande guerra, e dedicou-se à criação de arte kamishibai. Kamishibai é uma forma narrativa, de contar histórias, que se suporta na ilustração em papel, um actor executava pequenos dramas teatrais de rua (muitas vezes de teor moral) andando de cidade para cidade de bicicleta acompanhado de um palco portátil: as crianças que lhe comprassem doces, tinham direito aos melhores lugares da plateia. Embora a sua reputação tenha sido ganha, principalmente, enquanto artista da obra Lone Wolf and Cub, a sua primeira contribuição para uma revista deu-se com a série Dojinki. Durante a fase final da sua vida dedicou-se à concepção de romances gráficos baseados na obra do seu cineasta favorito: Akira Kurosawa.

Kazuo Koike nasceu a 8 de Maio de 1936, argumentista de Lone Wolf and Cub é, igualmente, um homem dos sete ofícios (na arte). Eu gosto de pensar nele, antes de mais, enquanto poeta. A ele se podem atribuir, também: a apresentação de programas televisivos; a criação de um magazine acerca de golfe; a produção de filmes; a escrita de guiões, ficção, ou mesmo poesia; a fundação de um colégio Gekiga Sonjuku direccionado à ajuda a escritores e artistas talentosos. Kazuo Koike coloca o desenvolvimento das personagens no topo das prioridades de um argumento de sucesso, e como podem verificar, não só o consegue provar como o consegue fazer de uma forma mestre, Lone Wolf and Cub é também, quer se queira quer não, o tão merecido êxito que se lhe atribui.

Deixo-vos com algumas imagens e textos do primeiro volume da obra "The Assassin's Road" cuja primeira edição é de 2000 sob a chancela da Dark Horse Comics. Mas não só, concluo com uma citação retirada de uma entrevista a Kazuo Koike, por mim traduzida da versão inglesa (à falta de melhor), e não resisto a fazê-lo, pois é um exemplo claro da sensibilidade que se transmite a toda a obra:




"De todos os mamíferos apenas o homem e o elefante sabem que irão morrer. Quando o elefante sabe que em breve morrerá, parte para estar só".

Recomendo, na qualidade de leitura obrigatória.

(Continua...)

7 comentários:

  1. Uma das minhas BD favoritas. Adoro. Parabéns pelo artigo.

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  2. Obrigado SAM. Uma das minhas BD favoritas, também.

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  3. Para quem se interesse por esse período do Japão, é procurar os livros 'Xogum' de James Clavell. Já agora, o Shogum não é o comandante dos exército, mas sim o 'ditador' virtual do Japão inteiro, tendo o Imperador sido reduzido a uma figura.

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  4. pco
    Tecnicamente o Shogun é o grande general dos exércitos e é apontado pelo Imperador. Durante o período do "shogunato" efectivamente eram eles que mandavam, assim como tivestes generais a mandar em países como a Argentina, Chile, etc.
    Mas literalmente Shogun é o General máximo do exército do Imperador.
    ;)

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  5. Já tinha visto estes livros várias vezes, mas agora estou oficialmente curioso. Entrou para a minha lista!

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  6. Rui Bastos
    Aconselho-te as novas edições, as que compilam vário livros da edição normal. São um pouco maiores em altura e largura o que torna tudo mais apelativo. As originais são muito pequeninas, de bolso mesmo.
    ;)

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Bongadas

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